O preto-e-branco da fotografia e a iluminação incidental desta minissérie criam um clima de sala íntima, que leva às vezes a esquecer que se está num estúdio. Esses detalhes anunciam o tom da oportuna minissérie, que adere ao tom sutil e a um profissionalismo que não nega espaço às discretas emoções que percorrem a conversa entre os dois personagens em cena, o músico Paul McCartney e o produtor Rick Rubin.
Duas lendas, cada um em sua especialidade, eles jogam conversa fora como bons amigos, seguindo uma pauta em torno dos bastidores da criação de algumas das canções mais icônicas de todos os tempos, o repertório dos Beatles, parte da memória afetiva de várias gerações - e, por isso, mesmo, a esta altura já merecendo o selo de clássicos.
Conhecido produtor, pioneiro do hip hop nos anos 1980, Rubin se aproxima de Paul sem reverência mas com visível admiração, sem que por isso o filme se transforme em qualquer espécie de hagiografia - ainda que Rubin e McCartney sejam produtores executivos da série. É um diálogo desarmado, à vontade, entre duas pessoas que conhecem muito música e, assim, podem dispensar tentativas de impressionar. Nenhum dos dois têm nada a provar a ninguém, por isso mesmo se torna tão interessante ouvir Paul se aproximar de seu passado como Beatle de uma maneira tão direta e desprovida de pose, abrindo seu baú de lembranças com a maior naturalidade.
Brotam informações preciosas sobre como foram compostas algumas dessas mais de 300 músicas, feitas nos 8 anos que durou uma das bandas mais influentes de todos os tempos. Paul compartilha alguns detalhes saborosos de como surgiram sucessos como Yesterday, quem era a personagem que empresta seu nome a Dear Prudence e a verdadeira história por trás do título de Lucy in the Sky with Diamonds - muito mais prosaica do que a lenda que circula desde sua criação.
Bons entendedores entenderão a intenção de Rubin de evidenciar a extraordinária liberdade de experimentação que conduzia o trabalho de Paul, John Lennon - ambos, uma das maiores duplas do pop mundial de todos os tempos - e também de George Harrison e Ringo Starr. Isso talvez não seja tão claro à primeira vista, o quanto o quarteto se empenhava, ao entrar no estúdio, em criar coisas novas, em não ter medo de errar, de tentar o que não tinham feito ainda, sem a preocupação de criar uma fórmula e permanecer fiel a ela. Como lembra Paul, apenas no começo da carreira eles pensavam em fazer músicas para os fãs; depois, cada vez mais, eles fizeram o que eles mesmo gostavam, achando que os fãs os seguiriam. Parece piada lembrar que, quando começaram, lhes diziam que nunca fariam sucesso fora de Liverpool.
As influências que moviam os Beatles são eventualmente inesperadas, além de variadas: Bach, Beach Boys, Little Richard, Roy Orbison, a lista é grande. Eles ouviam de tudo e não tinham medo de juntar todos os ingredientes no seu caldeirão, transformando a mistura com seu próprio tempero. Tinham 20 anos e o pior, para eles, era sentir-se entediados. Os engenheiros dos estúdios onde gravaram seus álbuns emblemáticos, como Sargent Pepper’s Lonely Hearts Club Band, muitas vezes os olharam torto pelos pedidos inusitados que faziam - embora o apoio de produtores, como George Martin, também amaciasse este caminho, que os levou a composições cada vez mais complexas e elaboradas.
Trechos escolhidos de apresentações dos Beatles, além de fotos pessoais, são inseridas na medida para ilustrar o álbum de retratos de uma banda que permanece poderosamente viva. Mais de 50 anos após a sua separação, Paul olha de novo aquele momento, que ele admite traumático, sem amargura, como ele diz, entendendo o que fizeram. E nós também podemos beber dessa fonte inesgotável de inspiração, nos sentindo como mosquinhas que entraram escondidas naquele estúdio e presenciaram alguns momentos sublimes.