20/09/2024

Em janeiro de 1969, os Beatles se reuniram em Londres para gravar um especial de TV, um álbum, um documentário e preparar um show. O material filmado rendeu "Let it be", documentário de Michael Lindsay-Hogg. Mas o farto material inédito que restou, guardado por mais de 50 anos, fornece a substância da minissérie de Peter Jackson, que restaurou e editou essas imagens e o som.

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Remexer num baú de 60 horas de imagens e 150 horas de áudio que haviam permanecido intocadas por mais de 50 anos foi o primeiro desafio do cineasta Peter Jackson, que delas extraiu a fantástica minissérie documental The Beatles: Get Back. A ideia inicial do projeto era chegar a um filme de 2 horas e meia. Mas a riqueza do material instigou o diretor da trilogia Senhor dos Aneis a convencer os dois Beatles sobreviventes, Paul McCartney e Ringo Starr, e os herdeiros de John Lennon e George Harrison ao lançamento destas generosas quase oito horas que certamente põem o fabuloso quarteto de Liverpool sob uma nova luz.
 
Como nos melhores filmes, há tensão, drama, divergências, afeto, amor, humor, encontros e amarguras. O grupo, que não se apresentava ao vivo desde 1966, reuniu-se em janeiro de 1969 em Londres para, em duas semanas, compor 14 canções novas para um álbum, preparando também um show, um especial de TV e um documentário, que foi filmado na época pelo diretor Michael Lindsay-Hogg. O especial de TV ficou pelo caminho, o álbum terminou sendo o último da banda (Let it Be) e o documentário, intitulado também Let it Be, foi lançado em maio de 1970, logo depois da separação dos Beatles. 
 
The Beatles: Get Back mergulha nesse extraordinário acervo que não entrou no documentário de 1970, depois de um minucioso processo de restauração de imagens que devolve as incríveis cores naturais ao material filmado. Originalmente rodado em 16 mm, tendo em vista o especial de TV que não houve, o filme foi ampliado para 35 mm, com um resultado não tão bom devido às limitações técnicas da época. Jackson também comandou uma restauração sonora que permite não só reencontrar a beleza das canções do grupo como adentrar seu peculiar processo criativo - muito mais sofisticado e exaustivo do que muitos pensam.
 
Assistir ao documentário é como entrar num túnel do tempo e fazer parte do ambiente de estúdio em que os Beatles compuseram e gravaram canções que fazem parte da memória afetiva de gerações - como Get Back, Let it Be, Something, I’ve Got a Feeling e muitas outras. O melhor é presenciar o funcionamento desta verdadeira usina criativa que foi a dupla Lennon/McCartney ganhando como presente adicional a percepção do papel indispensável que George e Ringo desempenhavam no grupo - o primeiro, com seu agudo senso musical e sentido prático, o segundo, com sua infinita paciência de esperar o processo criativo dos outros e embarcar na hora certa, no tom adequado.
 
No meio de muito amor, alegria e beleza, abre-se a brecha para vislumbrar as rachaduras que viriam a causar a separação da banda e que ultrapassavam, e muito, a batida versão de que “Yoko Ono provocou a separação dos Beatles”. Se não deixa de ser verdade que a onipresença de Yoko no estúdio causava incômodo aos demais, seria desonesto deixar de notar a insatisfação de George naquele momento, exprimindo sua necessidade de mostrar mais suas canções e até de lançar um álbum solo. Esta crise com George aparece, aliás, bem detalhada no primeiro episódio da série, quando ele chegou a abandonar o grupo, sendo convencido a voltar depois.
 
Boa ênfase se dá à entrada-surpresa do pianista norte-americano Billy Preston, amigo do grupo que veio fazer uma visita e acabou tendo uma participação mágica em inúmeras canções produzidas então. A presença do amigo levou inclusive a um alívio das tensões, levando o quarteto a interagir melhor entre si e com este que funcionou, na época, como um verdadeiro quinto Beatle. 
 
Entre as imagens mais preciosas da minissérie está a versão integral do show dos Beatles no teto do prédio da Apple Records, na Savile Row, que terminou sendo sua última apresentação ao vivo juntos. Nestes 45 minutos do show, as várias câmeras posicionadas pelo diretor Lindsay-Hogg em vários locais permitem não só acompanhar a visível alegria com que o quarteto tocava no frio do inverno londrino - John chega a reclamar que seus dedos estão endurecendo ao tocar - como as falas de observadores na rua, que acompanhavam a apresentação-surpresa. Não podia faltar a chegada de três policiais que atendiam a reclamações sobre o ruído, gerando uma negociação que encurtou o show. 

 

Para os fãs do quarteto, além de assistir a estes alentados três episódios, um bom complemento seria outra série documental, McCartney 3,2,1, em que o ex-Beatle, nos dias atuais, examina a história de várias canções e do processo criativo do grupo ao lado do produtor Rick Rubin. Esta última série, em seis episódios, está no Star+. 

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