Escrito e dirigido pela ucraniana Maryna Er Gorbach, Klondike – A Guerra na Ucrânia fala não do conflito atual, mas de um outro do passado que reverbera até hoje. O pessoal e o político se chocam num vilarejo em Donbas, no leste do país, quando um avião civil da Malaysia Airlines foi derrubado, em julho de 2017, deixando centenas de mortos. O filme foi premiado nos Festivais de Sundance (melhor direção para filme internacional) e Berlim (Prêmio do Júri Ecumênico).
Na contabilidade da destruição e caos está a vida do casal Irka (Oxana Cherkashyna) e Tolik (Sergey Shadrin), prestes a ter o primeiro filho. Um tiro acidental disparado pelos separatistas pró-russos acaba derrubando uma parede da casa deles. Isso traz a certeza para Tolik de que precisa sair dali para dar uma vida melhor ao filho. Mas não é tão simples assim.
Gorbach constroi a narrativa numa situação limítrofe: é preciso ir para outro lugar, mas não se tem como sair dali no momento. O cenário se torna cada vez mais inóspito, enquanto Irka está cada vez mais próxima de dar à luz. A ela também não agrada a ideia de abandonar sua casa, suas origens. Seria como ceder aos horrores do conflito.
Quando um avião cai perto da casa deles, os horrores tornam-se ainda maiores. Parte da fuselagem, tal qual um triste monumento à destruição, está praticamente no quintal deles, lembrando-os o tempo todo da tragédia. Mais tarde, um casal de holandeses aparece ali em busca de sua filha, que estava no avião.
Uma nova camada se acrescenta ao filme quando Irka e Tolik se mostram em campos ideológicos opostos. Ela, como seu irmão, Yuryk (Oleg Scherbina), é leal ao seu país, enquanto desconfia de que o marido simpatize com os separatistas – pois seus amigos o são. Esse personagem se revela um figura misteriosa, na verdade, pouco politizado e sem saber ao certo que lado tomar – mas ficar em cima do muro também não é uma opção naquele momento.
Gorbach, que também assina a montagem do filme, é um diretora formalmente rigorosa. Nada é desperdiçado aqui, cada movimento de câmera e cada corte são calculados e acrescentam algo ao longa. Já a fotografia de Svyatoslav Bulakovskiy é sombria e carregada em tons frios. A combinação dos elementos – assim como a impressionante interpretação de Cherkashyna – contribuem para um filme excepcional, que diz muito sobre o presente (embora situado alguns anos atrás), jogando uma luz, por meio das vidas das personagens, num conflito que parece distante de acabar, vai além do combate armado e afeta o mundo todo.