Em 17 de janeiro de 1981, uma festa de aniversário de dois adolescentes reuniu muitas pessoas numa casa na New Cross Road, no zona sul de Loncres. Ao amanhecer, ocorreu um incêndio, que matou 13 jovens, além de vários feridos. A suspeita de um atentado, numa época em que haviam há ocorrido outros, por influência do movimento de extrema-direita Frente Nacional, leva a rebeliões e enfrentamentos dos jovens negros com a polícia, em plena era Thatcher.
- Por Neusa Barbosa
- 27/07/2022
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Assim como em 2020, na esplêndida minissérie Small Axe, o diretor Steve McQueen volta a atingir a excelência ao abordar a experiência das comunidades negras, descendentes de imigrantes, na Londres dos anos 1980, na primeira série documental de sua carreira, Uprising - que venceu o Bafta na categoria TV em 2021.
Em três episódios de uma hora cada um, McQueen e seu co-diretor, James Rogan, revisitam o dramático episódio de 17 de janeiro de 1981, quando um incêndio numa casa de família, na New Cross Road, zona sul de Londres, matou 13 adolescentes negros, além de provocar ferimentos em cerca de 30 pessoas. Era uma animada festa de aniversário de dois adolescentes que começou às 22h e se estendeu até o início da manhã, quando irrompeu o incêndio - que sempre se suspeitou ter sido causado por um atentado racista. Na época, pululavam manifestações do movimento de extrema-direita Frente Nacional, que defendia a repatriação dos imigrantes afroantilhanos e seus descendentes, mesmo os nascidos na Inglaterra, como era o caso dos mais jovens. Além disso, o governo da primeira-ministra conservadora Margaret Thatcher, se não apoiava abertamente esta repatriação, emitia declarações de temor pelo “risco de invasão de culturas estrangeiras” no país.
Um terceiro elemento nesta equação era o comportamento violento de uma polícia integrada por muitos simpatizantes da Frente Nacional - como constatou um policial negro, George Rhoden, que chegou a ver um colega usando um broche da organização extremista por dentro do uniforme.
Ouvindo diversos sobreviventes do incêndio, que trazem depoimentos dilacerantes sobre os fatos de 40 anos atrás, além de policiais e peritos que o investigaram, e recorrendo igualmente a minucioso material de arquivo, a série elabora o contexto da época, num clima de agitação crescente que desembocou em enfrentamentos na rua entre os militantes da Frente Nacional e integrantes da comunidade negra. Finalmente, isto dá origem ao Dia de Ação dos Povos Negros, em março de 1981, em Londres, que reuniu cerca de 20.000 pessoas do país todo - número inédito e que deu forma ao movimento de revolta da comunidade negra britânica contra a impunidade de vários atentados racistas e da brutalidade policial, que era cotidiana nos bairros de predominància afroantilhana. Como era o caso de Brixton, que sediou um dos conflitos mais dramáticos entre moradores e policiais, que durou mais de 6 horas, resultando em muitos feridos dos dois lados.
Um outro aspecto relevante na série, além de dar voz aos integrantes da comunidade negra, é salientar esse contexto social em que a mídia rapidamente abandona o caso do incêndio e a polícia e a justiça empenham-se em afastar a suspeita de atentado racista - chegando a levantar uma hipótese de responsabilização de alguns frequentadores da festa, numa suposta briga. Dois inquéritos foram realizados sobre o incidente, um na época, outro em 2004, ambos inconclusivos sobre a causa do incêndio. Uma impunidade que, quatro décadas depois, pesa dolorosamente sobre os sobreviventes, todos guardando fortes marcas físicas e emocionais do episódio.
Outro diálogo desta série com Small Axe é a presença, entre os entrevistados, do escritor Alex Wheatle, que inspirou um dos episódios do seriado ficcional de 2020.