A incrível história verídica de um militar japonês que se recusou a acreditar no fim da II Guerra e permaneceu, com uns poucos subordinados, escondido por 30 anos numa ilha das Filipinas é resgatada no drama de sobrevivência Onoda - 10 Mil Noites na Selva, do diretor franco-japonês Arthur Harari.
Hiroo Onoda (na juventude, interpretado por Yuya Endo) era um jovem tenente de 22 anos quando, frustrado em seu desejo de tornar-se piloto, é cooptado para o serviço de inteligência pelo major Taniguchi (Issei Ogata). Em Futamata, seu treinamento tem o objetivo oposto ao dos kamizakes em que ele poderia ter-se tornado. Ao contrário dos pilotos-suicidas, ele é instruído a não se render nem morrer, custe o que custar.
Imbuído desta missão de obrigatoriedade de sobrevivência, Onoda é destacado para a ilha de Lubang, nas Filipinas, em 1944, quando o Japão Imperial já sofria pesadas derrotas das Forças Aliadas. O tenente coloca em ação o plano de destruir a infraestrutura local, para prejudicar o avanço das tropas norte-americanas na região, ao mesmo tempo que procura formar seu grupo de guerrilheiros para resistir na selva, à espera de um dia receber reforços.
Com as baixas impostas pelos bombardeios Aliados e as agruras locais, como doenças e falta de comida, Onoda acaba reduzido a um grupo de três soldados sob seu comando, Kozuka (Yuya Matsuura), Shimada (Shinsuke Kato) e Akatsu (Kai Inowaki).
A maior parte da ação concentra-se em retratar, de modo quase linear, as vicissitudes desta exasperante jornada na selva, começando pelos conflitos internos da situação, extenuante do ponto de vista físico e psicológico, numa guerra sem combate direto nem campo de batalha. O inimigo era invisível ou então se traduzia sob a forma da própria geografia do ambiente, com suas montanhas íngremes, mata fechada, chuva inclemente, ataques de insetos e frequentes conflitos com os camponeses locais - de quem os soldados roubavam comida, incendiando suas plantações.
Em algum momento dessa longa jornada, camponeses lhes contam que a guerra acabou - mas Onoda não acredita. Anos mais tarde, seu próprio pai visita a ilha e, ao longe, mediante um megafone, apela que o filho se renda - em vão. Nem mesmo os objetos deixados pelo pai, como revistas e um rádio portátil, conseguem colocar os soldados em sintonia com a realidade de que a guerra acabou e tudo o que lhes resta é render as armas e voltar. Fanatizado por sua formação, o tenente acredita que tudo isso não passa de encenação, de fake news, obstinando-se em seguir as ordens recebidas até o fim - que, para aqueles sob seu comando, será a morte ou a deserção. Não para Onoda.
Por todo o repúdio que se possa ter contra o fanatismo da ideologia militarista sustentada por Onoda - que o filme não questiona a fundo -, há algo de comovente em sua inquebrantável disposição de não se render, de ater-se à missão. É possível até sentir um pouco de piedade por tanta energia juvenil desperdiçada por um objetivo equivocado. Onoda, afinal, é prisioneiro de uma realidade paralela, criada por uma formação implacável que o treinou a esperar que viessem buscá-lo ou revogassem suas ordens. Ele não foi ensinado a pensar, questionar nem ser flexível e isso lhe acarretou um enorme sofrimento pessoal.
Recorrendo apenas a alguns econômicos flashbacks, ilustrando o treinamento de Onoda, o filme não avança sobre o futuro do personagem, depois de sua volta ao Japão, em 1974. Seguindo seu irmão, ele imigrou para o Brasil, tornando-se pecuarista no Mato Grosso do Sul, ainda que passando temporadas no Japão, onde fundou uma escola. Ele morreu em 2014 e ainda tem descendentes aqui.