O tom de comédia cínica que recobre Amsterdam é a casca sobre um thriller político, funcionando como a isca que leva o espectador a envolver-se com o delicioso trio principal - o médico Burt Berendsen (Christian Bale), o advogado Harold Woodman (John David Washington) e a enfermeira/artista plástica Valerie Voze (Margot Robbie).
Não é por acaso que, neste filme de David O.Russell, se encontrem ecos tanto de Casablanca quanto de Jules e Jim: o primeiro, a partir do título, que empresta seu nome de uma cidade associada a um tempo quase mágico, o segundo, por remeter a um triângulo amoroso, não faltando nem mesmo uma cena em que os três correm na rua, como no antológico filme de François Truffaut.
Essas referências, no entanto, são mais homenagens do que outra coisa e contribuem para os múltiplos sabores de uma história que, se é uma comédia também, nunca perde de vista uma trama intrincada que mergulha na conspiração política - e o que é mais surpreendente é descobrir, nos letreiros finais, de que ela realmente existiu, nos EUA dos anos 1930, cuja semelhança com os dias atuais não é, infelizmente, mera coincidência.
Amigos e ex-veteranos da I Guerra Mundial, Burt e Harold se reencontram quando o segundo torna-se emissário de uma perigosa missão para o médico: realizar uma autópsia secreta num senador que morreu, segundo sua filha (Taylor Swift), em condições suspeitas. A atrapalhada operação leva a que os dois amigos sejam surpreendidos por uma armadilha que os torna suspeitos de assassinato e provoque sua fuga.
Flashbacks explicam como sua musa, Valerie, entrou na vida dos dois, como enfermeira voluntária na I Guerra que se fazia passar por francesa e era notória por não seguir à risca os protocolos do hospital. Depois, ela ressurge em sua vida como companheira de aventuras em Amsterdam, um refúgio temporário para Burt e Harold, em que os três vivem um intervalo anárquico e romântico. Até que a realidade bate à porta, porque Burt deixou para trás uma esposa, a esnobe Beatrice (Andrea Riseborough), a quem ainda se sente ligado, ainda que não seja correspondido.
Um respeitado general da reserva, Gil Dillenbeck (Robert De Niro), torna-se a chave para que os dois amigos livrem-se da suspeita de assassinato. Acontece que o general é alvo de uma misteriosa rede, bancada por empresários ricos, que pretende colocá-lo à frente de um clube militar de veteranos, uma manobra que encobre uma conspiração fascista.
Diretor conhecido por obras como Três Reis (1999), O Lado Bom da Vida (2012), Trapaça (2013) e Joy: O Nome do Sucesso (2015), Russell conduz sua trama intrincada com ritmo, extraindo o melhor de um elenco incrivelmente recheado de atores talentosos, nos menores papeis. Assim, obtém um filme complexo, capaz de vibrar em notas e gêneros diferentes, juntando entretenimento e reflexão. Que mais se pode pedir?
