08/09/2024

Valendo-se de uma personagem ficcional, uma geógrafa, o docudrama de Lucas Bambozzi revê as tragédias ambientais das rupturas de barragem de Mariana e Brumadinho e discute o impacto ambiental da mineração em Minas Gerais.

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Dizimadas pela mineração, as montanhas que definem a geografia de Minas Gerais vêm se transformando em crateras, ocupadas por água tóxica, reflexo dos resíduos de uma atividade extremamente predatória, especialmente por falta de controles adequados. Essa constatação está no documentário/docudrama Lavra, de Lucas Bambozzi, que se vale de uma personagem ficcional, uma geógrafa (Camila Mota), como emissária à paisagem devastada do estado, abalado ainda pelas cicatrizes de duas tragédias recentes, as rupturas de barragens em Mariana e Brumadinho.
 
Exibido em festivais internacionais, como o IDFA de Amsterdã, o Hotdocs de Toronto e o de Lima, premiado em nacionais, como Brasília (troféus de melhor som e fotografia), o filme se transforma num road movie dessa personagem, originária de Governador Valadares - uma cidade tradicionalmente exportadora de imigrantes brasileiros -, que retorna dos EUA, onde vivia, para constatar in loco o que foi feito das paisagens de sua infância. Neste sentido, é dolorosa a visão das montanhas retalhadas, desaparecendo, pouco a pouco, nas janelas de um trem. 
 
Descrevendo suas andanças numa narração em off, a geógrafa faz perguntas dramáticas: “Como foi possível que as sirenes de alerta não tocaram?”, o que preveniria ao menos algumas das mortes: 19 em Mariana, 259 em Brumadinho, sem contar os desaparecidos na lama tóxica que cobriu essas regiões e matou pelo menos dois rios, o Doce e o Paraopeba.
 
Em seu percurso, a viajante entrevista moradores obrigados a lidar com as consequências dos dois desastres. Como a lavradora Joelma, tentando encontrar um meio de retomar a agricultura num solo agora contaminado. Ou o nonagenário seu Zezinho, aflito pela demora em receber de volta sua casa e também pela interrupção de sua antiga atividade na Folia de Reis, a que ele se dedicava há mais de 50 anos. Ou em outras testemunhas da drástica mudança em Conceição do Mato Dentro, do agroturismo à mineração que, segundo habitantes, trouxe prostituição e violência.
 
Inevitável nesse trajeto é a interação esperançosa com os militantes de vários movimentos de defesa dos atingidos pelas barragens, que têm lutado pelo recebimento de indenizações e pelo reassentamento das famílias, medidas progressivamente proteladas por acordos entre as empresas responsáveis pelos desastres, como a Samarco, e o governo de Romeu Zema. 
 
Outra presença luminosa é o escritor e líder indígena Ailton Krenak, membro de um povo fortemente atingido pela contaminação do rio Doce. Para os Krenak, conta ele, o rio, por eles chamado Uatu, “é um avô em coma, mas a gente não desiste dele”. 
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