Escrito, dirigido e montado pelo casal Clarissa Campolina e Luiz Pretti, Enquanto estamos aqui é um filme de um lirismo incomum para observar as agruras da globalização do capitalismo contemporâneo por meio de uma história de amor entre dois imigrantes em Nova York.
A ideia de globetrotting, viajar pelo mundo, é uma que bem cabe aqui. Conforme apontam vários teóricos e críticos, na pós-modernidade há uma prevalência do espaço sobre o tempo, ou seja, as conexões temporais são difíceis de serem feitas, e passado, presente e futuro se tornam uma única percepção. No filme, que transita entre o documental e a ficção, a passagem do tempo é medida pelos lugares em que a narrativa transita, e os personagens parecem viver numa espécie de um continuum, em busca de conexões que nem sempre se estabelecem pelas barreiras linguísticas e geográficas.
Construído por meio de imagens e narrações em off, Enquanto estamos aqui é a história de Lamis (Mary Gatthas), uma libanesa, e Wilson (Marcelo Souza e Silva), um brasileiro. Ambos moram em Nova York de maneira ilegal. Ela acabou de chegar, ele está lá há 10 anos. Eles se apaixonam, mas como manter esse relacionamento em tempos de incertezas e medos?
Montado de maneira fragmentada e elíptica, o filme não pretende responder perguntas, mas sim fazê-las de maneira direta e também poética, numa investigação das identidades que nos constituem e como são mantidas, ou até que ponto transformadas longe de casa. O resultado é um longa marcado por belas imagens e questionamentos pertinentes, que convida seu público a mergulhar em sua forma peculiar, e, assim, navegar com eles.
Os personagens em si jamais são vistos. Apenas ouvimos suas vozes, seus diálogos, e essa espécie de ausência de corpos é como uma figuração do apagamento – ou da necessidade de se esconder – desses imigrantes ilegais nos EUA. Grace Passô, por sua vez, fornece a voz da narradora.
Os segmentos em Belo Horizonte e Berlim contrastam com Nova York. Novamente, espaços que se sobrepõem aos corpos, às pessoas. Como manter a individualidade diante do caos contemporâneo e do achatamento da subjetividade no neoliberalismo contemporâneo? Diante de tantos impulsos visuais e sonoros, a dupla Campolina e Pretti cria uma obra de extrema delicadeza, que evita ser apenas sintomática do presente, mas uma investigação de quem somos no mundo em que estamos. E, em tão poucos minutos (77 apenas), é capaz de nos dizer tanto.