Namorado da modelo e influencer, Yaya, o jovem modelo Carl embarca com ela numa viagem-brinde num cruzeiro de luxo. Comandando o navio, está um capitão sempre bêbado e anárquico. A viagem encontra turbulências, terminando num naufrágio e na luta dos sobreviventes ao encontrarem refúgio numa ilha isolada – onde a luta de classes terá um novo capítulo.
- Por Neusa Barbosa
- 18/10/2022
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O cineasta sueco Ruben Östlund usa mais uma vez sua veia satírica, ácida e barroca para desmantelar o jogo por trás das aparências de relacionamentos e instituições, escancarando o vazio e a hipocrisia delas. Em Força Maior (Prêmio do Júri na seção Un Certain Regard de Cannes em 2014), seu alvo era a família de classe média alta supostamente perfeita e feliz. Em The Square - A Arte da Discórdia (2017), sua primeira Palma de Ouro, o mundo das artes plásticas e seus ricos patrocinadores. Em Triângulo da Tristeza (2022), sua segunda Palma de Ouro, o foco se expande em várias direções. Começa por uma devassa no mundo da moda, a partir do personagem do jovem modelo Carl (Harris Dickinson). Namorado da modelo e influencer Yaya (Charlbi Dean Kriek), ele embarca com ela numa viagem-brinde num cruzeiro de luxo em que, mais uma vez, o mundo dos ricos será impiedosamente dissecado.
Comandando o navio, está um capitão (Woody Harrelson, impagável), sempre bêbado e trancado em sua cabine, o que sinaliza um mundo completamente desgovernado diante das tempestades que se preparam lá fora. Uma cena impagável opõe este capitão, um marxista, a um dos passageiros, um oligarca russo (Zlatko Buric), envolvidos numa discussão acalorada sobre os mitos do capitalismo e do socialismo.
Este pequeno candidato a Titanic encontrará, no devido tempo, nenhum iceberg, mas mesmo assim a sua desgraça, proporcionando o cenário do terceiro capítulo, numa ilha a que chegam apenas alguns dos passageiros e tripulantes.
Nesta parte, Östlund usa toda a sua ironia avassaladora para escancarar os mecanismos de luta de classes que são desencadeados por uma literal batalha pela sobrevivência - para a qual os mais equipados são justamente os mais discriminados, pobres, imigrantes, trabalhadores em funções tidas como de segunda classe, como a supervisora de limpeza dos banheiros, a filipina Abigail (Dolly De Leon). Essa virada de jogo proporciona momentos de puro delírio, encenado com o humor perverso que é a marca do diretor sueco.
Como qualquer filme, divide opiniões mas isso reflete também a capacidade de Östlund de explorar temas relevantes para a contemporaneidade sacudindo o bom-mocismo e a superficialidade. Não é pouco.