Nos dois momentos mais marcantes da experiência na guerra do protagonista de Nada de novo no front, o rosto dele, Paul (Felix Kammerer), está coberto de um barro seco que realça sua expressão como algo petrificado, algo que ficará marcado para sempre em sua alma. A terceira adaptação do clássico antibelicista – e primeira em sua língua original, o alemão - do escritor alemão Erich Maria Remarque, narra episódios da I Guerra do ponto de vista dos perdedores, ou seja, dos soldados no front. O filme é o escolhido pela Alemanha para representar o país na disputa de uma indicação no Oscar.
Nas últimas décadas, a II Guerra se tornou mais referência no cinema do que a anterior, mas aqui, o diretor Edward Berger recupera o conflito de trincheiras, aquele em que, muitas vezes, via-se olho no olho o homem a quem se ia matar, ou lhe matar. Nesse sentido, é um filme visceral, ao narrar pela perspectiva de um jovem soldado, que se alistou escondido dos pais, em busca de aventuras e por um suposto amor à pátria.
A primeira adaptação do filme, de Lewis Milestone, de 1930, e ganhadora do Oscar de filme e direção, apesar de forte, era tecnicamente limitada devido à tecnologia da época. Berger e o diretor de fotografia, James Friend, encontram beleza (especialmente natural) em meio aos horrores e ao caos do campo de batalha – o que, às vezes, pode tornar uma opção questionável, na estetização dos filmes de guerra.
Há, no entanto, a contraposição a isso, que já fica clara no prólogo, no qual, antes mesmo de Paul entrar na guerra, acompanhamos de onde vem o uniforme que servirá a ele. Depois de alistados, Paul e seus amigos são saudados pelo comandante que os chama de “a grande geração” e os estimula a lutar “pelo Kaiser, Deus e a pátria”, nessa ordem, num discurso que perdurará na Alemanha (e em muitos países) por muitos anos – chegando até o presente.
Em contrapartida aos traumas do campo de batalha – marcado por barro, cadáveres e trincheiras –, Berger acompanha os bastidores políticos da guerra. As autoridades alemães já sabem que o país foi derrotado, e o esforço agora é poupar a vida dos jovens. Matthias Erzberger (Daniel Brühl) é o representante do país que negocia com os franceses o cessar-fogo. Mas o general Friedrich (Devid Striesow) não se satisfaz com o acordo e, nos minutos finais da guerra, sacrifica ainda mais jovens soldados.
Depois de se separar dos antigos colegas, Paul faz um amigo, Katczinsky (Albrecht Schuch), um sapateiro analfabeto, que se afeiçoa ao rapaz e o protege, assim como o protagonista a ele. A relação entre os dois é a dimensão de intimismo, que o filme coloca diante de seu tom épico das mazelas do conflito. A trilha sonora de Volker Bertelmann, marcada por sons eletrônicos de sintetizadores, em alguns momentos, dá um toque de anacronismo e estranhamento muito bem-vindo ao filme.
Em um famoso ensaio, o filósofo alemão Theodor Adorno aponta que para qualquer pessoa que tivesse participado da I Guerra se tornou impossível narrar esse episódio como se contava uma história antes. Era possível dominar a experiência e transformá-la numa história. Agora, diz ele, não mais. Remarque, veterano da batalha, tentou em seu poderoso romance resgatar sua experiência, dar forma aos horrores que testemunhou e fazer um alerta. Berger resgata o romance em sua essência e, mesmo que seja impossível narrar a experiência de uma trincheira, ele dá forma cinematográfica à experiência num filme cujos eventos são impossíveis de serem esquecidos