Êxtase, de Moara Passoni, e Diário de Viagem, de Paula Kim, são filmes que abordam o mesmo tema, a anorexia, a partir de experiências pessoais de suas diretoras, mas de formas bastante diferentes. O segundo é uma ficção, com personagens e elenco contando uma história, já o outro é um híbrido entre documentário e encenação que narra a trajetória da protagonista de forma impressionista.
Passoni é uma das roteiristas de Democracia em Vertigem, de Petra Costa (que aqui é creditada como produtora), e parece trazer alguns vícios desse filme para cá, em especial uma narração em off que, por meio de diversas vozes, traz a história de Clara desde pequena até a juventude.
É inegavelmente uma maneira criativa e diferente de abordar o tema. Passoni poderia ter colocado uma série de entrevistas de forma convencional, com pacientes, médicos e familiares de pessoas com distúrbio alimentares, mas opta por um tratamento distinto, que reforça o discurso e permite imagens mais poéticas.
Premiado pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Abraccine, na Mostra de 2020, o filme prima pelo sensorial, pela construção da trajetória de Clara a partir de suas impressões sobre si mesma, seu corpo e o mundo. Ao acompanhar a personagem desde a infância, o filme permite seguir sua progressão com o distúrbio e, ao entrar no pensamento dela, explora os conflitos, confusões e inseguranças de sua trajetória rumo à vida adulta.
Há, no entanto, questões não muito bem resolvidas aqui – em especial a personagem da mãe, uma deputada recém-eleita, com quem a menina vai morar em Brasília. É um tema que surge logo no começo do filme, mas parece um tanto gratuito, pois não vinga depois. As falas de políticos e políticas, que se ouvem ao fundo, dão conta do Brasil contemporâneo, enquanto imagens de corredores na capital federal – provavelmente feitas para o filme de Petra Costa – têm o desejo de mostrar os bastidores do poder. Mas, realmente, é uma questão que se dissolve ao longo do filme. É, certamente, um elemento que a diretora resgatou de sua biografia – ela é filha da ex-deputada Irma Rosseto Passoni – mas que, como se insere no filme, fica meio perdido.