Peter e sua família são escravizados numa plantação no EUA. Quando ele é separado de sua mulher e filhos, faz de tudo para fugir e se encontrar com o presidente Abraham Lincoln, que, supostamente, o libertaria. Nessa fuga, acaba posando para um fotógrafo, que registra suas costas repletas de cicatrizes, e a foto viaja o mundo.
- Por Alysson Oliveira
- 06/12/2022
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O que há de tão interessante em filmes sobre a escravidão para que Hollywood volte ao tema o tempo todo? É óbvio que é uma questão histórica que não deve ser esquecida, varrida para debaixo do tapete, ou tida como superada (seja nos EUA ou no Brasil), mas obras sobre o tema costumam ser sisudas e aspirar a alguns Oscars. Raramente o tratamento é outro, como é o caso de Quentin Tarantino e seu Django Livre, marcado mais pelo cinismo do que pelo heroísmo.
Há um bom tempo a narrativa do branco salvador é evitada, por motivos óbvios, mas há um gosto claro pela representação do sofrimento dos escravos negros na tela, geralmente com um fundo didático. Emancipation – Uma história de liberdade se inscreve nesse subgênero, remetendo a uma fotografia famosa do século XIX, que rodou o mundo e ficou conhecida como “Whipped Peter”, ou "Peter Chicoteado", apresentando um homem negro, um escravizado fugido, com as costas repletas de cicatrizes.
Will Smith assume o papel de Peter – uma figura cuja história é controversa, pouco conhecida; além da foto, há inclusive um debate se o nome era realmente Peter ou Gordon –, numa interpretação que, claramente, almejaria a um Oscar – embora ele esteja agora a um tapa de distância de uma indicação e banido de aparecer na cerimônia. Essa polêmica à parte, é claro como qualquer ator teria isso em vista com esse papel. Há de tudo, de sofrimento a martírio, chegando ao heroísmo.
Como 12 anos de escravidão ou a série The underground railroad, aqui se reescreve a história, mostrando que o trabalho só acontecia a partir da coerção mesmo – ao contrário daquela narrativa do escravo feliz e grato ao senhor pela casa e comida. Nesse sentido, o filme dirigido por Antoine Fuqua cumpre com sua função didática de refletir sobre o passado e o presente do Black Lives Matter, pois as ações aqui retratadas, de uma forma ou de outra, refletem-se até hoje.
O roteiro assinado por Bill Collage é praticamente um filme de ação, marcado mais por eventos sequenciais do que uma narrativa concatenada. A história é contada de uma forma estranhamente fria, embora haja lances altamente dramáticos, como a separação de Peter de sua família. A intepretação de Smith é mais calcada em expressões faciais do que qualquer outra coisa, como sua fala carregada de um sotaque francês.
A vida doméstica do protagonista é pautada pela relação amorosa com a mulher, Dodienne (Charmaine Bingwa), e os filhos, além de uma profunda fé em Deus. Mas isso logo muda quando ele é vendido para o exército Confederado, para quem trabalhará na construção de ferrovias. Não demora muito e Peter se transforma num símbolo de resistência e coragem. Seu poder de persuasão é grande. Quando fica sabendo que Abraham Lincoln está libertando escravos, convence um grupo de companheiros a fugir e encontrar-se com o presidente.
Fotografado em tons dessaturados, por Robert Richardson, Emancipation é um filme que se torna um paradoxo: bonito de se ver na tela, mas com uma história de horrores. Acompanhamos a jornada do protagonista rumo a Baton Rouge, onde crê que encontrará sua liberdade, marcada por violência e desafios, mas, ao fim, sabemos pouco ainda quem é esse homem.
Ao simplificar e esquematizar excessivamente a história de Peter, ou Gordon, que seja, Fuqua destitui seu personagem de uma dimensão mais profunda. Além do homem escravizado, do pai e marido amoroso e temente a Deus, quem era esse homem? O clímax numa batalha que, novamente, é mais um filme de ação do que humanista, transforma o protagonista em alguém sobrehumano.