Intérprete refinado e consagrado inclusive por dois Oscars, Tom Hanks é aquele tipo de ator de quem é difícil não gostar. Por isso, seus papeis como vilão rareiam e não fazem tanto sucesso - caso do recente Elvis, em que ele interpreta o empresário trapaceiro de Elvis Presley.
A imagem de Hanks é de uma pessoa que, por mais chato que pareça, a qualquer hora vai revelar sua bondade e simpatia. Por isso lhe cai bem o papel de Otto, protagonista da comédia dramática dirigida por Marc Forster, que assina a refilmagem da produção sueca de 2015 Um Homem Chamado Ove. Adaptado do romance original de Fredrik Backman, o filme foi indicado a dois Oscar, filme estrangeiro e maquiagem/penteado.
A versão norte-americana retém o principal do filme sueco: a personalidade irascível do protagonista, sua obsessão por suicídio depois da morte da mulher, sua intolerância com todo e qualquer vizinho e a intrusão em sua vida de uma família estrangeira que vai desafiar tudo isso.
Intérprete e também um dos produtores do filme, Hanks está mais do que à vontade na pele deste personagem cheio de nuances, apesar da aparência mal-humorada. Seu desejo de ordem, que não tolera uma bicicleta largada fora de lugar no quarteirão onde mora, não esconde a solidão e uma depressão a ponto de implodir. A indicação etária do filme certamente foi elevada a partir da exposição de algumas tentativas de suicídio de Otto, provando que o buraco que ele sente no peito é muito real.
Mas eis que o acaso lhe traz como novos vizinhos uma família mexicana, formada por um casal, Tommy (Manuel Garcia-Rulfo) e Marisol (Mariana Treviño), e duas filhas pequenas, Luna (Christiana Montoya) e Abbie (Alessandra Perez). Marisol, gravidíssima, à espera do terceiro filho. E, com a falta de cerimônia e o calor latinos, ela se infiltra no cotidiano do vizinho implacável, formando a linha de frente do choque cultural e humano que proporciona a espinha dorsal do enredo.
O filme não se propõe a reinventar a roda, até porque é certo que adere à firme determinação de explorar o lado bom da vida, tentando não ser piegas demais. A atriz mexicana demonstra seu talento à perfeição, oscilando entre um registro cômico e outro mais sério com muita propriedade, tornando-se, assim, a oponente à altura da monstruosa carga emocional negativa do vizinho.
Outras personagens entram em cena apenas para oferecer a Otto a oportunidade de demonstrar afinal de que material ele é feito. Caso dos vizinhos Anita (Juanita Jennings), Reuben (Peter Lawson Jones) e Jimmy (Cameron Britton), de um jovem transexual, Malcolm (Mack Bayda) e também de um gato que aparece na vizinhança e não se impressiona com as inúmeras tentativas de expulsão de Otto. Quem conhece gatos sabe do que estamos falando.
O toque hollywoodiano fica por conta de algumas soluções facilitadoras, proporcionadas pela intervenção de uma jovem influencer (Kailey Hyman), mas nem por isso se perde de vista um toque de melancolia que não se rende totalmente a isso. Embalado por um elenco muito decente, o filme tem sua dignidade e só isso já dá para comemorar.