As diversas tentativas de adaptação dos desenhos das Tartarugas Ninja para o cinema nunca foram muito bem sucedidas – até agora. Num ano em que a cultura pop tem se encontrado no cinema com Super Mario Bros: O Filme e Barbie, As Tartarugas Ninja: Caos Mutante é mais um exemplar de qualidade nessa lista, caminhando sobre a linha tênue entre a reinvenção e a nostalgia.
Com roteiro de Seth Rogen, Evan Goldberg, e do diretor do longa, Jeff Rowe, esse é um filme feito para agradar a fãs que cresceram vendo aos desenhos na televisão, mas também a uma nova geração que pode estar tendo o primeiro contato com o quarteto de répteis: Donatello, Michelangelo, Leonardo e Raphael – sim, os nomes vêm de artistas renascentistas. O longa se dá ao trabalho de contar a origem deles, mas também os coloca numa nova aventura, enfrentando um exército de mutantes como eles.
A primeira coisa que chama a atenção é o visual. É impressionante como Rowe trabalha a estética do filme com traços sofisticados, que parecem às vezes feitos por lápis de cor ou giz de cera, conferindo uma textura muito particular às imagens, além de todo um cuidado precioso para tirar o longa da mesmice. Ao lado de O Homem-Aranha: Através do Aranhaverso, esse filme se apresenta de maneira visualmente particular que pede para ser visto no cinema.
Outro elemento forte aqui é a representatividade. A série televisiva sempre teve uma personagem feminina forte, a repórter April O’Neil, a humana amiga das tartarugas, que conhece seu segredo e as ajuda em suas missões contra os vilões. Aqui, como um filme de origens, ela é uma adolescente negra que sonha em ser jornalista. O tom é claramente mais juvenil do que no original, o que permite uma vibe de mais humor e um diálogo aberto com crianças e adolescentes.
A narrativa é impulsionada por mestre Splinter, o rato mutante que adotou as tartarugas ainda crianças, as treinou e as mantém isoladas nos bueiros, onde vivem, para as proteger da maldade humana. Ele é um personagem terno, um pai carinhoso e preocupado, que convive com um grande trauma, de quando teve contato com a humanidade.
Essa distância do mundo e do contato com os humanos fez as tartarugas crescerem desejando o que não podiam ter: o convívio com as pessoas do lado de cima da rede de esgoto. Às vezes, furtivamente, sem que o pai saiba, o quarteto passa algum tempo nas ruas, observando as pessoas e sonhando com uma vida que lhes é negada. Ao conhecer a jovem April, tudo se transforma. Ela alerta o mundo que um terrível mutante está prestes a acabar com tudo. E, para derrotar um exército de mutantes, apenas outroS mutantes.
O filme é espirituoso em seus diálogos – o que não é surpresa com o dedo de Rogen no roteiro – e competente nas cenas de ação. Há uma nostalgia pelos anos de 1990, e uma melancolia do desejo dos heróis serem aceitos pelo mundo humano. E As Tartarugas Ninja: Caos Mutante associa tudo isso com muita qualidade técnica e emoção – não há aqui uma nota fora do lugar –, fazendo desse um filme que, literalmente, pode se relacionar com adultos e crianças.