Em 1516, a cidade de Argel é um reino que luta contra os invasores espanhóis. O rei Salim é obrigado a aliar-se aos piratas comandados por Aruj Barbarossa para vencer a invasão. A vitória, no entanto, terá um alto preço e a rainha Zaphira, segunda esposa do rei, terá de impor-se, enfrentando os preconceitos e preceitos religiosos.
- Por Neusa Barbosa
- 11/09/2023
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Trazendo para a tela uma ambiciosa produção de época, A Última Rainha retrata uma Argélia mítica e desconhecida, com um enfoque de toque feminista. Dirigido pela dupla Damien Ounouri e Adila Bendimerad, ambos corroteiristas, o filme localiza-se na Argel de 1516, quando a cidade era uma república monárquica, em que o rei dispunha de um conselho evidentemente todo composto por homens. A história, no entanto, concentra-se na figura da rainha Zaphira (Adila Bendimerad), uma mulher que irá desafiar os estreitos limites concedidos a seu gênero diante de circunstâncias absolutamente dramáticas.
Naqueles dias, o rei Salim Toumi (Mohamed Tahar Zaoui) enfrentava uma batalha sangrenta contra os invasores espanhóis que procuravam subjugar seu reino. Para vencê-los, aceita a contragosto uma aliança com os piratas de Aruj Barbarossa (Dali Benssalah). Uma aliança que custará caro ao rei, já que Aruj e os seus comandados começam a cobiçar os domínios de Salim e lançam-se à sua conquista.
Assassinado o rei, Aruj promete vingança contra os assassinos mas não esconde que seu real intento é promover uma outra espécie de aliança, casando-se com Zaphira - que é a segunda esposa do rei Salim, que antes dela desposara Chegga (Imen Noel), mãe de seus filhos mais velhos.
Nesse contexto, Zaphira é pressionada por seus irmãos a voltar a viver na casa de seu pai, já que seu único filho, Yahia (Yanis Aouine), é considerado por eles jovem demais para ser seu guardião - esta uma condição exigida pela religião muçulmana. Zaphira, no entanto, está apenas começando a descobrir sua força e desafia os protocolos. Ela não só se recusa a partir como rejeita o casamento com o pirata, lançando o reino num impasse - já que ela é muito querida pelo povo.
Com uma produção impecável, em termos de cenários, figurinos, direção de arte e reconstituição de rituais, A Última Rainha é um exercício de imaginação sobre uma Argel do passado, antes da colonização francesa, focado numa protagonista lendária - que pode até não ter realmente existido, mas que é objeto de inúmeras histórias que passam de geração em geração. De todo modo, não foram os roteiristas que a inventaram. E o filme se torna a evocação de uma mulher que se mostra perfeita para encarnar um protótipo de empoderamento feminino muito antes do feminismo, imaginando o que ela poderia ter feito nas condições que lhe foram oferecidas, situando-se como uma das forças ativas num jogo de poder ao qual não falta o desejo, especialmente o de Aruj em relação a ela, provocando a fúria de sua amante, a escandinava convertida Astrid (a atriz francesa Nadia Tereszkiewicz).
O andamento da história procura manter um equilíbrio entre o respeito às tradições, não só nos figurinos, como nos costumes - e aqui não se verá uma sensualidade mais do que sugerida -, problematizando a questão da diferença dos gêneros nas entrelinhas e progressivamente incorporando um tom de tragédia. Se o filme é assumidamente um drama de época, não gasta toda a sua energia neste aspecto formal, que é requintadíssimo. A fotografia de Shadi Chaaban é de um apuro excepcional nas cenas de batalha, como as iniciais, valendo-se de efeitos visuais espetaculares - como na sequência em que o pirata Aruj “voa” por cima de seus inimigos. Nenhum cuidado foi poupado também nas cenas íntimas, como entre Zaphira e Salim e num feroz duelo de olhares, frente a frente, entre Zaphira e Aruj, ambos a cavalo. Frutos de sua época, o fato é que Aruj e Zaphira parecem vivos, não arquétipos simplesmente.
Coprodução da Argélia com a França, Taiwan, Arábia Saudita e Catar, o filme não se rende à lógica ilusória dos mercados e mantém a fidelidade à língua árabe, falada na esmagadora maioria das cenas, o que lhe dá uma autenticidade que de outra forma não teria.