Mesmo sendo, originalmente, lançado em 2021, no Festival de Veneza, esse drama ucraniano faz um retrato formalmente potente e forte sobre a realidade do país, que, naquela época estava na iminência de uma guerra. Agora que o conflito está materializado, o filme torna-se ainda mais relevante. E é com uma bela austeridade formal que o diretor ucraniano Valentyn Vasyanovych constrói seu duro Reflexão, um questionamento sobre o que acontece com a alma de um homem e de uma nação, por extensão, durante a guerra. O cineasta volta ao tema e ao apuro estético de seu longa anterior, Atlantis, premiado na mostra Horizontes no Festival de Veneza de 2019. Em ambos, a questão central é a invasão russa em seu país.
Logo na primeira cena, algo de lúdico se mistura com um toque de maldade. Crianças brincam de paintball, numa quadra fechada. Tiros coloridos em tom pastel mancham o vidro de onde seus pais e mães as assistem e filmam. É o único momento de uma relativa leveza. Depois disso, emerge toda a crueldade humana de que se é capaz em tempos de guerra. O protagonista, Serhiy (Roman Lutskyi), é um cirurgião que se voluntaria ao exército quando a Ucrânia é invadida pela Rússia – numa invasão que dura até hoje. Separado, ele mantém uma boa relação com a filha que está entrando na adolescência, Polina (Nika Myslytska), a ex-mulher, Olha (Nadia Levchenko), e o novo companheiro dela, Andriy (Andriy Rymaruk).
Sua captura por paramilitares russos leva a cenas de tortura, difíceis de assistir, mas nada espetacularizadas e completamente verossímeis dentro da narrativa. Sem esses episódios, o filme, mais tarde, não terá seu potente dilema formal ou o eco na vida de Serhiy, que, obviamente, nunca mais será o mesmo. Um acontecimento que primeiro testemunha, e depois de que participa ativamente, será seu grande dilema moral ao voltar à vida com Polina e Olha.
A câmera sempre parada e distante dos acontecimentos, com planos relativamente abertos e longos na duração, projeta em Reflexão a paralisia da vida de seu protagonista sem rumo, numa Ucrânia onde o frio parece constante. Uma série de vinhetas, algumas beirando o cômico, compõem a narrativa do longa. Carregadas de simbolismo, essas sequências versam sobre temas como liberdade, religião e laços de afeto.
Reflexão, ao lado de Atlantis, forma um painel da Ucrânia invadida pela Rússia. O filme anterior passava-se num futuro, com personagens – o protagonista era interpretado por Andriy Rymaruk, que tem um papel central aqui – enfrentando um presente de destruição e reconstrução física e emocional. Agora o personagem central está cercado pelos horrores de uma guerra em andamento. Os dispositivos formalistas pelos quais o diretor opta em cada filme são distintos, mas austeros e seguidos à risca – o que pode alienar parte de seu público, mas terá muito a dizer àqueles e àquelas que entrarem em suas propostas, que tão bem refletem o estado do país do cineasta.