A retomada da bem-sucedida franquia a partir de uma prequel - que obviamente pretende desencadear uma outra franquia - chega aos cinemas com a responsabilidade de corresponder a todas as expectativas envolvidas e a necessidade de ampliar as biografias de alguns dos personagens marcantes da saga - no caso, a do futuro presidente de Panem, Coriolanus Snow, aqui retratado aos 18 anos e vivido por Tom Blyth. Uma ideia parecida com a de Star Wars: O Despertar da Força (2015), quando se explorava de que modo Kylo Ren (Adam Driver) se tornaria, um dia, Darth Vader.
Em Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes, os acontecimentos se situam 64 anos antes da época retratada no primeiro filme, de 2012. Depois da morte de seu pai, o jovem Coriolanus tenta manter a custo o status da família Snow, estudando na escola da elite, ainda que o aluguel esteja atrasado e ele mal consiga comer, assim como sua Lady-avó (Fionnula Flanagan) e sua prima, Tigris (Hunter Schafer).
A esperança de Coriolanus é obter o prêmio Plinth, que é dado, anualmente, ao melhor aluno da escola. Com suas ótimas notas, o jovem está no páreo. Neste ano, porém, as regras mudaram. Para tornar os Jogos Vorazes mais atraentes à sua audiência televisiva, o reitor Highbottom (Peter Dinklage) e a dra. Gaul (Viola Davis) decidem engajar os jovens alunos da elite como mentores dos tributos vindos dos distritos depauperados. O vencedor do prêmio será o mentor que conseguir que seu tributo atraia mais atenção do público.
Um dos pontos altos desta franquia está na maneira engenhosa como sua autora, a escritora Suzanne Collins, elabora uma distopia futurista que leva a extremos a luta de classes e a vingança depois de uma guerra civil - algo que ressoa, neste último caso, dolorosamente atual na presente guerra entre Israel e os palestinos. Estão aí os grandes tentos desta prequel, que se caracteriza por uma extrema violência e uma ambiguidade marcante à medida que o caráter de Coriolanus começa a revelar-se com mais clareza.
Procurando criar uma heroína à altura de Katniss Evergreen (Jennifer Lawrence), Rachel Zegler entra na pele de Lucy Gray Baird, uma cantora que, por conta de uma tramoia, acaba tornando-se o tributo do Distrito 12 e objeto da mentoria de Coriolanus. Suas chances de sair viva dos Jogos parecem escassas, dada sua aparente fragilidade física. No entanto, a moça tem mais recursos do que a vista alcança e sua associação ao jovem Snow rende uma parceria especialmente promissora. E sua capacidade de cantar, na verdade, foge muito ao mero entretenimento de corações sensíveis que acompanham os Jogos pela TV.
A colaboração entre o mentor e a mentorada também atravessa seus tropeços, dada a compreensível desconfiança entre habitantes de dois mundos tão diferentes. Mas é evidente que os dois têm algo a ganhar no respectivo sucesso e isso vai moldando um espírito mais colaborativo e, por que não, um clima romântico. Nem por isso as sequências de disputas dos candidatos, introduzidas na TV pelo apresentador Lucky Flickerman (Jason Schwartzman), serão nada menos do que sangrentas e ferozes, assim como as armas à sua disposição.
O arco percorrido pelo personagem de Coriolanus é, sem dúvida, mais complexo, já que ele deve engajar-se numa série de interações com pessoas do próprio meio também, como o jovem rebelde Sejanus Plinth (Josh Andrés Rivera), assim como lidar com a vigilância da poderosa dra. Gaul - a personagem mais perversa já interpretada por Viola Davis, como sempre, muito convincente.
O conceito de lealdade e também o de ambição estão, desde sempre, em luta no interior do jovem Snow - e já sabemos no que ele vai se tornar. Este filme permite conhecer como ele chegou lá. Mas fica o mistério do que vai ocorrer com Lucy Gray Baird, que também deixa muito claro que ela não entrou na franquia apenas para cantar.