07/02/2025
Comédia Drama

Durval Discos - Sessão Vitrine

É o começo do século XX e Durval tem uma loja de discos de vinil na casa onde mora com sua mãe, em Pinheiros (SP). Ele se recusa a vender CDs numa época quem que ninguém mais quer comprar vinil. A chegada de uma hóspede inesperada mudará a vida da família.

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Mais de 20 anos se passaram desde que Durval Discos ganhou 7 Kikitos em Gramado – entre eles, melhor filme e direção para Anna Muylaert. Olhar para aquele momento em que foi lançado é compreender como o filme foi capaz de capturar um movimento histórico e urbano hoje já decantado.

No seu centro, Durval Discos é sobre o processo de gentrificação do bairro de Pinheiros, em São Paulo, onde Durval (Ary França) tem sua lojinha de vinil na casa onde mora com a mãe Carmita (Etty Fraser). O protagonista se mantinha fiel à venda de discos, enquanto o mundo se modernizava com os CDs. Hoje é irônico, que o vinil tenha se tornado um artigo de luxo com colecionadores fiéis, o CD mal exista e a música seja majoritariamente ouvida de forma digital.

Esse movimento de como a música chega ao seu público, curiosamente, reflete o processo de modernização do Brasil, que sempre foi marcado pela dicotomia entre o novo e o arcaico. Ou, como coloca o crítico e professor Roberto Schwarz, um país com “as ideias fora do lugar”: no século XIX, importando modelos liberais europeus, e os incorporando à tradição escravagista nacional. Aí está o nó, a liberdade liberalista numa sociedade que se sustentava na ausência de liberdade.

Muylaert, que assina o roteiro, podia não ter nada disso em mente quando fez o filme, no começo do século XXI, mas seu primeiro longa é marcado por uma classe média mediana que tenta sobreviver com seu antigo modo de vida numa sociedade em que o trator da modernização passa por cima de tudo. Durval Discos é, acima de tudo, um filme sobre nostalgia, sobre o apego ao passado de glórias – simbolizado pela paixão de Durval pelos vinis, e a recusa em vender CDs. 

O filme começa num belo plano-sequência pelas ruas de Pinheiros, no qual os créditos são apresentados em placas, letreiros e afins. Deve ter sido um desafio enorme fazer tudo funcionar, mas funciona muito bem. Até que somos introduzidos à família em sua casa: a mãe na janela do andar de cima, e o filho no térreo na janela de sua loja.

É uma rua de residências com pequenos comércios – ao lado da loja Durval Discos, há a lojinha de doces e salgados, Loli, onde trabalha Elisabeth (Marisa Orth), que de vez em quando foge do trabalho para fumar um cigarro e passar um cantada discreta no solteirão Durval.

Muylaert conjuga bem esses elementos, criando uma espécie de comédia de costumes, uma crônica familiar que tem seu primeiro abalo quando Durval e sua mãe contratam uma jovem para trabalhar na casa deles, interpretada por Letícia Sabatella. Logo ela desaparece, e deixa no seu quartinho, nos fundos, uma menina, Kiki (Isabela Guasco), supostamente sua filha.

A partir daí, Durval Discos toma caminhos surreais, chegando ao clímax envolvendo, entre outras coisas, um cavalo de verdade dentro de um quarto. Muylaert foi uma roteirista muito corajosa nos caminhos que conduziu sua trama, sem abrir mão do sombrio, num filme que começa até solar, e se torna, cada vez mais, claustrofóbico.

O bairro de Pinheiros é um personagem aqui, que, como Durval, passa por um processo de transformação – no fundo, para nenhum dos dois o resultado é muito positivo, mas, enfim, o filme captura isso muito bem. Há também a trilha sonora marcada por clássicos da MPB, mas, em especial, por uma música já perto do fim. Durval coloca em sua vitrola Gal Costa cantando London, London. É um momento de tristeza – a música estabelece muito bem o clima: andando de um lado para outro, sem ter para onde ir – que antecede o alívio. Nessa cena, estamos todos com Durval, já imaginamos como sua história irá terminar, não há outro jeito, e sofremos junto com ele – um sofrimento, mas também um alívio. E o suspiro que ele dá, algumas cenas depois, é o suspiro de alívio de todos nós. 

 

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