Luigi Pirandello (1867-1936) é um manancial. De suas histórias, brotam inúmeras adaptações de filmes e também a própria figura singular do escritor e dramaturgo de Agrigento, Sicília, Prêmio Nobel de Literatura em 1934, inspira personagens da ficção. Recentemente, Paolo Taviani tornou-o personagem de seu belíssimo filme, Leonora, Adeus, em que combina incidentes reais da vida de Pirandello com a adaptação de uma de suas histórias.
Em A estranha comédia da vida, do também siciliano Roberto Andò, Pirandello é protagonista, interpretado pelo sempre impecável Toni Servillo. Já maduro e famoso, nos anos 1920, ele volta à sua Agrigento natal em busca de inspiração, num momento de bloqueio criativo. Por mais que o visitem imagens de personagens, que lhe aparecem como fantasmas - uma dualidade que o filme mantém admiravelmente -, ele não consegue terminar uma nova obra.
A morte de sua ama, Maristela (Aurora Quattrocchi), desloca-o desse ensimesmamento. Procurando dar uma sepultura digna a uma mulher que o confortou tantas vezes na infância - aliviando com seu carinho as inquietações do menino, que ela chama de “estranhezas” (o nome original do filme em italiano, La Stranezza) -, Pirandello contrata os serviços de dois coveiros locais, Onofrio Principato (Valentino Picone) e Sebastiano Vella (Salvatore Ficarra), que, por uma singular configuração local, são também os dramaturgos e diretores de uma companhia amadora de teatro.
Desde a confusão para conseguir um túmulo adequado para a ama, enfileiram-se as confusões com singular tempero local - como a necessidade incontornável de subornar o funcionário da prefeitura, Mimmo (Rosario Lisma).
Convidado a assistir à nova peça de Principato e Vella, Pirandello mergulha no emaranhado de contradições mais ou menos cômicas do novo texto da companhia, A Trincheira do Remorso, em que que salta aos olhos a nítida diluição de fronteiras entre a ficção e a contraditória realidade local - que evoca reações apaixonadas ou furiosas da plateia do teatro, quando se reconhece nas situações do palco.
Com tom sóbrio, o filme constrói uma versão para as circunstâncias da criação de Seis Personagens à Procura de um Autor, a ousada peça de 1921 de Pirandello, evocando uma possível inspiração nesta visita a Agrigento. É um filme de sofisticação de linguagem que certamente será mais apreciado pelos admiradores da arte teatral e de Pirandello, extraindo sua fina e amarga ironia dos absurdos da vida, que foram captados com tanta precisão pelo autor siciliano.
Na principal premiação do cinema italiano, o David de Donatello, o filme conquistou os troféus de melhor roteiro original, produção, cenografia e figurino.