André Téchiné é um caso particular no cinema francês. Depois de viver um boom nos anos de 1970 e 1980, ele continua na ativa, embora seus filmes nem sempre cheguem ao Brasil, mantendo-se fiel ao seu estilo e temática. É pouco provável que ele seja o cineasta francês favorito de muita gente, mas, ainda assim, quando seu nome é mencionado, costuma ser lembrado. Almas Gêmeas, seu novo longa, está no conjunto de seus bons filmes, não é grande, mas oferece bons momentos.
Alguns dos melhores elementos aqui são a dupla de protagonistas, interpretados por Noémie Merlant e Benjamin Voisin. Eles são os irmãos Jeanne e David, que se reúnem após ele sofrer graves queimaduras numa explosão em Mali, onde estava em campanha. Quando volta à França, sua irmã irá cuidar dele.
Depois de se recuperar das queimaduras, porém, ele ainda sofre de amnésia dissociativa, que o impede de lembrar-se de informações pessoais importantes. Caberá à irmã a tarefa de lhe dizer o tempo todo quem ele é, e quem ela mesma é. Para cuidar dele, leva-o para morar consigo na região dos Alpes, onde tem uma casa isolada numa floresta.
É um ambiente bucólico sem bucolismo, marcado pela tensão de uma vida rural em transformação, seja na figura do vizinho depressivo (André Marcon) ou a prefeita oportunista (Audrey Dana). Mas a questão central, no roteiro escrito por Téchiné e Cédric Anger, é a da memória. Se aquilo que acumulamos, ao longo da vida, é o que nos define, então, quem é David se não se lembra de nada? Cabe mesmo a Jeanne o duro papel de guardiã das lembranças dele? Outra pessoa poderia fazer isso?
De forma intimista, o diretor traça um retrato dessa relação complexa entre os dois, marcada pelo vazio do esquecimento. Sem nunca romantizar as personagens ou situações, Téchiné investiga a eventual necessidade que podemos ter de escapar de nós mesmos – e, no caso, nem é exatamente David quem precisa passar por isso.