Na comédia dramática Ficção Americana, o protagonista, um escritor e professor afro-americano (Jeffrey Wright), é acusado de não escrever romances, digamos, negros o suficiente. O filme parte de um livro de Percival Everett, um dos escritores mais instigantes nos EUA atualmente, e que, possivelmente, já deva ter ouvido essa mesma “acusação”.
Dirigido pelo estreante em cinema Cord Jefferson e vencedor do Oscar de roteiro adaptado, o longa começa como uma sátira ácida às expectativas identitárias que um grupo projeta em outro. Ou seja, leitores e leitoras brancas de classe média alta esperam que a literatura produzida por um autor negro ou uma autora negra siga um modelo fixo – histórias de gente pobre conseguindo (ou não, morrer no final é sempre uma opção que agrada) superar adversidades.
Thelonious 'Monk' Ellison (Wright), o protagonista, apesar do nome, não é jazzista, mas escritor, cuja obra não segue esse padrão de sucesso garantido, e por isso é pouco lido, e há anos tenta publicar um novo romance. A maneira como o filme lida com essa questão é bastante incisiva, extraindo o humor exatamente da questão: “o que é ser um escritor negro nos EUA contemporâneo?”
Logo na primeira cena, Monk entra em atrito com uma aluna (branca) sobre a palavra "nigger" escrita na lousa. A aula é sobre literatura do sul dos EUA, e a menina se sente desconfortável com encarar a palavra no quadro o tempo todo. O professor, por sua vez, diz não ver problema, afinal, ele (sendo negro) não se sente desconfortável e a discussão é sobre uma literatura que usa exatamente essa palavra. A menina, ofendida, abandona a aula, e ele é obrigado a tirar um ano sabático.
Depois da morte de sua irmã e com o agravamento do Alzheimer de sua mãe, Monk resolve escrever um romance “tipicamente negro”, com palavrões, violência e afins. E coloca nele um pseudônimo. Seu agente (John Ortiz) manda o texto para uma editora e a pessoa responsável (uma mulher branca) adora. O suposto autor diz que se manterá no anonimato, pois é procurado pelo FBI, e todas as conversas devem ser por telefone, intermediadas pelo agente.
Jefferson começa seu filme num tom tão alto, tão certeiro, que dificilmente mesmo conseguiria mantê-lo o tempo todo. Ficção Americana é mais formado de bons momentos de crítica social a partir da comédia do que uma narrativa coesa. A percepção de raça e racismos nos EUA do filme é muito bem sacada, mas isso nem sempre se insere de maneira orgânica. De qualquer forma, Wright está muito bem como o autor negro que não faz sucesso por “não fazer uma arte negra o suficiente”.