O título nacional de A Musa de Bonnard já coloca sua protagonista feminina numa posição que talvez o filme não esteja corroborando em si. Aponta-a como figura passiva, que apenas inspirou e serviu de modelo ao marido e pintor francês pós-impressionista Pierre Bonnard, quando o retrato aqui é um pouco mais complexo.
Marthe (Cécile de France) e Pierre Bonnard (Vincent Macaigne) se conhecem por acaso na rua, quando ele a detém e pede para posar para ele. Ela trabalha numa fábrica de flores artificiais e logo fica encantada (talvez até demais) com o mundo da arte. Não demora muito para ficarem juntos, mas ela não consegue se adaptar ao mundo boêmio dele.
Dirigido por Martin Provost, o filme aponta para a inegável química entre o casal, especialmente na intimidade, mas talvez isso não seja suficiente para manter um relacionamento - especialmente quando ela tem um ataque de asma e um médico decreta que ela não viverá muito. Bem, ela viveu mais de 70 anos e, mesmo à sombra do marido, com altos e baixos, construiu sua carreira como pintora também.
O filme concentra-se, em boa parte, nessa transformação de Marthe, cuja sensibilidade artística parece natural. No entanto, o marido famoso sempre se destacava mais, num século XIX marcado pelo poderio masculino e o sufocamento e opressão das mulheres.
Provost, que assina o roteiro com Marc Abdelnour, evita simplificações da estrutura mais comum das biografias, e concentra-se mais no relacionamento entre os protagonistas e como isso afetou suas carreiras, em especial a de Marthe, uma figura menos conhecida do que Bonnard, assim como a arte dela.
Mais conhecido por personagens urbanos com barba por fazer e cabelo desgrenhado e comprido, Macaigne assume aqui outro visual, mais comportado e em sintonia com a figura do pintor. Mas o filme é da atriz belga de France, numa personagem complexa em sua transformação, marcada por altos e baixos físicos e emocionais. A Musa de Bonnard nos lembra da importância de Marthe não para a obra de Bonnard, mas para ela mesma.