21/05/2025
Documentário

Orlando, minha biografia política

Partindo de "Orlando", o célebre romance de Virginia Woolf escrito em 1928, o diretor Paul B. Preciado estabelece um diálogo sobre a transexualidade, escalando dezenas de pessoas para falarem sobre a sua própria experiência. Nos cinemas.

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Vencedor do Teddy e de um prêmio especial do júri na seção Encontros do Festival de Berlim 2023, este documentário que marca a estreia no cinema do filósofo e curador espanhol Paul B. Preciado é uma ponte iluminada para a redescoberta da riqueza de Orlando, o romance de Virginia Woolf.

Escrito em 1928, o livro trazia como protagonista um nobre inglês do século XVI que, no meio da história, transforma-se magicamente numa mulher, enfrentando, a seguir, todas as implicações dessa transição - um tema que, quase 100 anos depois, está no centro de uma das mais agitadas discussões no campo da sexualidade. 

Preciado, ele mesmo um homem trans, nascido Beatriz em 1970, escreve, com o filme, uma carta para Virginia Woolf, tecendo um diálogo rico em nuances, inclusive sobre o próprio livro. Como o detalhe, descoberto num manuscrito da obra, que revela que a escritora inglesa pretendeu incluir-se nela, sob o nome de Volumia Fox, desistindo depois.

O documentário constrói-se, no entanto, a partir de 25 pessoas trans e não-binárias, selecionadas para testes de elenco para interpretar Orlando. Com isso, cada uma delas tem a oportunidade de revelar sua própria história e relacionamento com a transexualidade cuja experiência, embora semelhante, nunca é igual à outra. 

Para construção das imagens dessas individualidades, o diretor não poupa recursos como cenários, figurinos e maquiagem, que contribuem para a formação de atmosferas de sonho, adicionando uma riqueza cinematográfica que não se esgota nos depoimentos e atuações de cada personagem.

Da mesma forma, Preciado chama a atenção para o pioneirismo da própria Virginia em atentar para este universo, que, no começo do século XX, apenas principiava a ser descoberto - ocorreram então as primeiras cirurgias e pioneiros tratamentos com hormônios. A escritora, se não teve uma experiência direta com a transexualidade, certamente sustentou embates permanentes com a sociedade patriarcal de sua época, sobrevivente que era de um estupro por parte de um irmão, e em relação conflituosa com a psiquiatria por suas crises depressivas mas não avessa a experiências sexuais com mulheres, inclusive casadas com homens, como ela, caso de Vita Sackville-West. Vita foi sua amante e de seus traços biográficos familiares Virginia extraiu detalhes de seu Orlando - motivo pelo qual a família de Vita tentou impedir a circulação do livro.

Mesmo que não conheçam este livro extraordinário, os espectadores do filme poderão familiarizar-se com parte da beleza de sua liberdade e fantasia, uma aguda reflexão sobre a opressão feminina, já que Orlando, depois de tornar-se mulher, é privada de todos os privilégios e somente é reconhecida por seu cão.

Fiel a esta nota libertária, o documentário conclui-se com uma sequência em que várias pessoas trans recebem de uma juíza (Virginie Lespentes) os documentos com seus nomes sociais, culminando num tom de festa contagiante.

 

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