Grande vencedor do mais recente Festival de Vitória, o documentário capixaba Presença, estreia em longas do diretor Erly Vieira Jr., sustenta-se em torno do trabalho fortemente visual de três artistas atuantes no Espírito Santo, que usam seus corpos e elementos naturais e objetos para dar vida a uma obra em que a reinvenção da corporalidade é central como forma de expressão.
Os artistas são Marcus Vinicius, que é visto em contato com várias paisagens ao redor do mundo, entre pedras, plantas e animais, inserindo-se como mais um corpo em contato com todos esses elementos; Rubiane Maia, que se vale de vários recursos e técnicas, começando por plantar um jardim num trecho do Sesc Pompéia em São Paulo; e Castiel Vitorino Brasileiro, que funde o que define como experiências de cura, como psicóloga, macumbeira e artista, para produzir performances profundamente sensoriais.
É o tipo do filme que desafia descrições, porque se trata de uma experiência que apela aos sentidos, ainda que Rubiane e Castiel, que exibiram suas obras na mais recente Bienal de São Paulo, sejam bastante eloquentes nas explicações verbais sobre os rumos tomados em sua atuação artística. Nem por isso a tarefa de acompanhar a proposta do filme deixa de ser exigente, demandando do espectador um engajamento de que nem todos talvez disponham - mas a intenção de propor é bem-vinda e as ferramentas cinematográficas são bem utilizadas a favor de suas intenções, como a fotografia de Ursula Dart e o desenho de som de Marcus Neves, também co-autor da trilha sonora, ao lado de Gimu.
A apresentação do trabalho de Marcus Vinicius ganha ainda o caráter de preservação de uma memória, já que o artista morreu, aos 27 anos. Seu acervo de vídeos, que ficou para sua irmã, permitiu que se recuperasse suas performances, em que frequentemente ele desafiava seus limites físicos, colocando-se em risco ao adentrar cachoeiras, subir montanhas e outras façanhas. Por ser seu amigo e ter organizado seu acervo anteriormente num livro, Erly Vieira pôde planejar estender essa divulgação maior no filme.
Da mesma forma, Rubiane Maia compartilhou com o diretor seus vídeos, assim como seus textos. Castiel, por sua vez, que é de Fonte Grande, região central de Vitória, igualmente permitiu o acesso do diretor a uma performance de dança que ela executou para sua própria família, ao lado de seu pai, Augusto Brasileiro, no batuque, que marcou não só a volta da artista ao país como à sua família, apresentando a vários de seus membros o testemunho de sua própria transição de gênero - o que adiciona a esta sequência uma emoção bem particular.
No Festival de Vitória, Presença levou os troféus de Melhor Filme, pelo Júri Técnico e Popular, além de Melhor Roteiro e Melhor Contribuição Artística.