Exibido no Festival de Sundance, o longa de estreia do diretor Pedro Freire investe num eficiente trio de atrizes para compor os perfis de uma família marcadamente feminina. Malu (Yara de Novaes) é a protagonista, a força-motriz e também o fator de eterna instabilidade neste clã, integrado também por sua mãe, Lili (Juliana Carneiro da Cunha), e sua filha única, Joana (Carol Duarte).
Integrante de uma geração que rompeu barreiras sexuais e políticas, Malu foi atriz, militou, enfrentou a ditadura e viveu todas as experiências que sua liberdade buscou, para horror de sua mãe, católica conservadora. Na maturidade, encara a decepção, o desmoronar de seus sonhos, vivendo de favor numa casa de praia, de propriedade do ex-marido, de quem depende economicamente, alimentando sempre projetos mirabolantes de construir um teatro alternativo ali. O resultado é uma existência em bipolaridade, marcada por ferozes confrontos com a mãe idosa, que vive com ela e não desiste de tentar contê-la com iniciativas desastrosas, como chamar um padre (Márcio Vito) para conversar com a filha.
Joana, por sua vez, vive longe, tentando tocar uma carreira de atriz em São Paulo. Suas visitas desencadeiam momentos de afeto e também choques, pela impossibilidade de acertar tantas arestas acumuladas ao longo de uma vida. Outra presença na casa é de Tibira (Átila Bee), uma travesti desinibida que mantém uma amizade fraterna com Malu, mas é malvista por dona Lili.
Num filme dedicado à sua mãe, a atriz Malu Rocha (1947-2013), é visível que há traços autobiográficos nestas histórias, que Pedro Freire conduz com sensibilidade, especialmente a de deixar fluir o talento destas suas atrizes em cenas não raro de alta voltagem emocional, mas não menor verdade humana. Filtram-se, por aí, também as diferenças geracionais, expostas nas discussões, em que Malu cobra da filha a falta de utopia que sobrou na sua geração, talvez, no caso dela mesma, consumida inclusive por ela.