Num mundo dominado por zumbis, os poucos humanos remanescentes isolaram-se numa cidade, tentando evar uma vida normal. Um grupo de mercenários sai dali, de tempos em tempos, em busca de suprimentos. Enquanto isso, os mortos-vivos tentam destruir a cidade dos humanos.
20/07/2005
Objeto de culto por gerações de fãs do terror, a obra de George A Romero é uma das maiores tentativas de tornar o gênero um pouco menos isolado de discussões mais pertinentes ao cotidiano dos espectadores. De forma diferente a tantos outros cineastas (John Carpenter, Sam Raimi, Wes Craven, Tobe Hooper), que se preocupam mais com a estética, Romero manteve em sua trilogia dos mortos um gosto pelo conteúdo, investindo em críticas sociais e bélicas.
Apesar de ter realizado filmes dos mais variados temas, alguns bastante interessantes, sua fama se fez principalmente com a tal trilogia, em que utilizou o arquétipo dos mortos-vivos para analisar e denunciar os vícios de uma sociedade, nas respectivas décadas de produção. Em A Noite dos Mortos-Vivos (1968), as entrelinhas incluíam o racismo e a guerra do Vietnã. Nos anos 70, O Amanhecer dos Mortos-Vivos (1978) já chamava a atenção para o consumismo conspícuo e, por fim, nos anos 80, O Dia dos Mortos-Vivos (1985) criticava o militarismo e a ética da ciência.
No entanto, a leitura equivocada dos clássicos relegou à sua filmografia apenas a lembrança de moribundos buscando se alimentar de cérebros, em histéricas horas de gritos e absurdos. Afinal, não se espera que produções que andem pelo terror e pelo fantástico se envolvam com questões mais sérias. O recente A Vila, de M. Night Shyamalan, é uma prova disso, sendo criticado por mudar de assunto, enganando o espectador.
Assim, com o retorno de Romero às telas, como diretor e roteirista, os fãs se questionam qual será a crítica da vez, já que Terra dos Mortos se apresenta como a quarta parte da série. No filme, vemos uma grande cidade no Estados Unidos, anos depois que os mortos se levantaram de suas tumbas e destruíram praticamente toda a civilização. Os sobreviventes encontraram uma frágil estabilidade, isolando-se numa cidade-condomínio, longe dos mortos errantes.
A história, nesse contexto, envereda por dois grandes eixos: a vida nessa cidade, onde as classes dominantes vivem no luxo do edifício Fiddler’s Green e as classes mais pobres, imersas na miséria e prostituição, e o fato dos mortos começarem a evoluir. Na prática, como deve sair para buscar alimentos em outras regiões, infestadas de mortos, a milícia de cidade começa a perceber que os então errantes defuntos, agora, começam a pensar. Ou seja, podem romper as cercas que protegem a cidade e seus habitantes.
De forma geral, a metáfora é passada de forma transparente: os zumbis são massas oprimidas que se rebelam contra um sistema que os exclui, enquanto coloca sua população em constante estado de alerta. Soa familiar? No entanto, por outro lado, o personagem central da trama, o comandante mercenário da milícia, Riley (Simon Baker), expressa uma vontade de abandonar qualquer tipo de contato humano, porque entende que a humanidade possui equívocos inerentes a sua formação, que apontam sempre para a iniqüidade.
Essas motivações de Romero transformam Terra dos Mortos num de seus filmes mais pessimistas, opinando que o projeto de civilização ocidental está fracassado desde sua construção. É uma das formas de se ver um filme que possui, em grande parte de suas cenas, crânios sendo destruídos, assassinatos e humanos e monstros que andam apesar de não possuírem coração (isso vale para os dois lados). Afinal, de original, original mesmo, não há nada na nova produção de Romero.
Rodrigo Zavala