Quatro décadas depois dos eventos mostrados em "Bela da Tarde", Husson reencontra por acaso Séverine nas ruas de Paris. Ele a persegue, mas ela foge o tempo todo.
13/05/2010
Em 1967, Luis Buñuel (mais uma vez) chocou a burguesia com seu Bela da Tarde, que marcou Catherine Deneuve como a loira glacial francesa – no papel de uma dona de casa que se liberta sexualmente passando tardes num bordel, onde encontra vários tipos de prazer, não apenas o sexual. Quatro décadas depois, o veterano diretor português Manoel de Oliveira revisita o clássico, numa espécie de sequência e homenagem ao original em Sempre Bela.
Se o objetivo – vale dizer, muito bem alcançado – por Buñuel e seu roteirista Jean-Claude Carrière era esmiuçar o discreto masoquismo da burguesia, Manoel, aqui, não pretende tanto. Sempre Bela é uma meditação sobre a passagem do tempo e como as pessoas se transformam ou se recusam a mudar ao longo dos anos.
Apenas Michel Piccoli está de volta no papel de Husson, um suposto amigo de poucos escrúpulos de Séverine que, no passado, foi interpretada por Catherine, e aqui é por Bulle Ogier – que trabalhou com Buñuel em 1972, em O discreto charme da burguesia.
Tal qual Husson, Manoel, que também assina o roteiro, parece encantado com um fantasma do passado, agora, muito diferente e inatingível. Os anos passaram e Séverine parece ter deixado o passado para trás, embora seu admirador insista em revisitá-lo. O encontro se dá por acaso, num concerto, mas Husson a persegue até que, finalmente, um jantar é marcado.
Os diálogos entre os dois personagens são esparsos e sabemos mais sobre Husson quando ele conversa com um barman (Ricardo Trêpa), do que quando consegue trocar algumas palavras com Séverine. Ela também diz não ser mais a mulher pervertida que um dia foi e revela que pretende entrar para um convento. Nem no passado, nem agora, ela o quer como amante.
Num filme com pouco mais de uma hora, o diretor português não está interessado em entrar em profundidade na psique dos personagens, em seus motivos, ou naquilo que possa ter acontecido com eles nessas quatro décadas. O que interessa em Sempre Bela não é revelar também os mistérios do passado. Aquela misteriosa caixinha faz novamente uma aparição e, mais uma vez, continua indecifrável.
Em Sempre Bela, o diretor pode não estar no melhor da sua forma - afinal, o grande filme de Buñuel faz uma sombra praticamente intransponível -, mas, ainda assim, o longa não deixa de ser um interessante exercício de imaginação.
Alysson Oliveira