Joachin Zand é um produtor e empresário que já viveu melhores dias. Depois de um tempo nos EUA, ele resolve voltar à França, trazendo a tiracolo uma trupe de atrizes, que fazem números de cabaré sensuais.
04/04/2011
Vencedor do prêmio de direção em Cannes 2010, Turnê, por um lado, revela-se o típico filme de ator – significando que a história gira em torno de seus intérpretes, literalmente até, porque trata de seu métier. E também porque se coloca a serviço de seu elenco na medida exata para que a cada um de seus integrantes correspondam pequenos momentos luminosos, pequenos solos.
Contando com uma trupe de atrizes norte-americanas, peritas em números do cabaré malicioso que se convencionou chamar de new burlesque, o ator e diretor Mathieu Amalric oferece uma nova encarnação do que seriam personagens tipicamente fellinianas, só que marcadas por um sentido de humor mais melancólico, com um toque cerebral, bem mais francês – o que impede a história de chegar a um registro mais camp, no estilo John Waters, de quem, no entanto, há igualmente uma sugestão aqui.
O próprio ator interpreta Joachim Zand, empresário de Mimi Le Meaux (Miranda Colclasure), Kitten on the Keys (Suzanne Ramsey), Dirty Martini (Linda Marracini), Julie Atlas Muz (Julie Ann Muz) e Evie Lovelle (Angela de Lorenzo). A trupe viaja pelo mapa da França, apresentando seu cabaré, cada um de seus integrantes sonhando uma utopia diferente. Elas todas, americanas de olho na lenda que é Paris. Ele, um ex-produtor de TV que caiu em desgraça, sonhando em fazer a América em seu próprio país.
A alma da história – que tem roteiro de Amalric e três outros parceiros (inclusive o brasileiro Marcelo Novais Teles, ator no filme Tirésia) – alimenta-se desses pequenos segredos e mentiras dos personagens entre eles mesmos e em relação às pessoas encontradas pela estrada - como a espirituosa atendente de um posto de gasolina (Aurélia Petit). Os artistas lembram às vezes um circo mambembe moderno, com as mesmas questões de instabilidade e solidão.
Não é o primeiro filme como diretor de Amalric, que é bem mais conhecido como ator no Brasil – de filmes como O Escafandro e a Borboleta, Conto de Natal e A Questão Humana. Na verdade, ele tem a seu crédito oito curtas e três longas – e Turnê é o primeiro deles em que assume também o posto de protagonista.
Sendo quem é, é bem normal que Amalric afirme suas influências – as mais nítidas, Federico Fellini (Turnê poderia até ser visto como uma atualização de Cidade das Mulheres), John Cassavetes e Jacques Tati (de quem a melancolia que embebe todo o filme parece tão impregnada).
Um momento que lembra A Menina Santa, de Lucrecia Martel, passa-se no final, ambientado num hotel vazio, com uma piscina seca, em Bordeaux. Uma metáfora, como tantas outras mais, deste filme sobre uma arte sitiada pelas necessidades pragmáticas de sua produção. Mathieu Amalric, com certeza, injetou muito de sua própria vivência e a dos colegas neste trabalho extremamente pessoal, em que nem sempre é fácil manter uma empatia com as personagens.
Turnê é um filme mais de asperezas do que de maciez. Flerta com um clima de quase tragédia, mas que não quer chegar lá. A fuga, a ruptura, o adeus, a morte, talvez, seriam mais simples. Duro é sustentar este fio esticado sobre o abismo que chamamos vida.
Neusa Barbosa