Um jovem médica decide montar um posto de saúde numa aldeia nas Filipinas do final dos anos de 1970, durante a ditadura de Ferdinand Marcos. Uma milícia paramilitar, no entanto, some com a moça, e seu marido, o poeta Hugo Haniway, sai à procura dela.
23/01/2019
Estação do diabo é um musical do filipino Lav Diaz – uma informação que, como se sabe, quer dizer filme longo, e, no caso, 3 horas e 54 minutos, o que é pouco comparado com Do que vem antes (5 horas 38 minutos) ou, então, Evolução de uma família filipina (9 horas). Por isso, é curioso ver como o cinema de longa duração do cineasta se insere num gênero com regras tão definidas como o musical. O resultado é, ao mesmo tempo, tipicamente Diaz, mas também diferente – o que pode desagradar parte da fanbase.
Como é constante em sua filmografia, aqui a força motriz é a história de seu pais e suas contradições – um relato de exploração e pobreza, em meio a turbulência política e social. O filme é classificado pelo cineasta como uma opera rock – embora os termos “opera” e “rock”, no seu dicionário, tenham definições bem peculiares. A narrativa é simples e direta – as terríveis consequências na vida de civis da ditadura de Ferdinand Marcos, no final dos anos de 1970 -, e tudo isso musicado, na maior parte do tempo, sob o ponto de vista de um poeta, Hugo Haniway (Piolo Pascual), que sai em busca de sua mulher desaparecida, a médica Lorena (Shaina Magdayao), que montou uma clínica para ajudar pessoas pobres num vilarejo, Ginto.
O local é dominado por um líder, Narciso (Noel Santo Domingo), um sujeito com, literalmente, duas caras, que usa a pele do rosto de outro homem na parte de trás de sua cabeça. Uma figura grotesca, mas nunca caricata, que encerra em si simbolicamente o passado e o presente das Filipinas. Ele comanda um grupo paramilitar que aterroriza a aldeia. A gangue sádica é comandada por uma soldado (Hazel Orencio) que não tem piedade de ninguém.
As mais de 30 músicas da trilha – o filme todo é cantado – são de autoria do diretor, e algumas funcionam melhor do que as outras. Os atores – excetuando Bituin Escalante, uma diva pop local, e dona de uma bela voz que funciona como um coro grego de uma mulher só ao longo do filme – não são cantores, e, é claro, o estranhamento deste detalhe é proposital. A fotografia – assinada por Larry Manda – trabalha o chiaroscuro, e o enquadramento também no sentido de causar um efeito estranho no público. Dadas a narrativa e a situação histórica que o filme trabalha, obviamente, não poderia mesmo ser confortável de se ver. Mas é de se pensar se um outro montador – no caso, o próprio Diaz editou seu filme – não seria capaz de dar mais potência ao resultado final sem sucumbir tanto ao fetiche da longa duração, algo que, em outras obras do cineasta, funciona melhor.
Alysson Oliveira