Quem acompanhou a carreira de Philip Kaufman pôde assistir a sua visível preocupação em fazer filmes honestos, inovadores e audaciosos. Como roteirista de Os Caçadores da Arca Perdida, Indiana Jones e a Última Cruzada ou mesmo como diretor de Os Eleitos, Henry & June, ou mesmo A Insustentável Leveza do Ser, deixou mais do que clara sua marca. Pode-se dizer até que seu trabalho tenha influenciado novos talentos, como é evidente em Mark Pellington (A Última Profecia) e Stephen Sommers (A Múmia)No entanto, não deixa de ser decepcionante como cineastas consagrados pela indústria realizam produções carentes de visão e requinte. Não se trata apenas de Kaufman, inclua-se aqui Ridley Scott, para dar apenas um exemplo, na apresentação de duvidosos trabalhos recentes. Resta saber se o fato mostra um certo cansaço das exigências de Hollywood, ou se o impulso criativo se domesticou por meio da segurança que o êxito econômico trouxe.Assim, é fácil colocar o mais recente trabalho de Kaufman, A Marca, em xeque. Como suspense policial, o filme é fraco, pois não explora novas fórmulas e aponta para a idéia de que o gênero está esgotado. Conhecido pela inovação, o diretor desenvolve a mesma cansativa estrutura de assassinato, sexo e múltiplos suspeitos, que culmina em um inesperado final. Aqui, porém, não se trata de algo realmente impactante. A inútil tentativa do espectador de encontrar os reais culpados não se deve a um roteiro instigante, mas a uma completa falta de motivos para sustentar tudo o que se vê. Isso é claro em filmes em que o vilão deve explicar tudo no final de forma forçada e confusa, em que A Marca é exemplo categórico. A superficialidade é uma constante, mesmo na protagonista, interpretada pela bela atriz Ashley Judd. Cabe a ela o papel da detetive Jessica Shepard, que ao assumir seu primeiro caso se depara com uma situação assustadora: a vítima é um casual sex, expressão americana para designar uma noite de sexo com estranhos, sem compromisso. A história começa a piorar quando o assassino começa a matar a outros sex bodys (os parceiros sexuais do casual sex) de Jessica, como uma espécie serial killer do sexo sem amor. A policial, claro, torna-se a principal suspeita, mas continua no caso, apesar do excessivo consumo de bebidas alcoólicas, responsável por desmaios e estados de completo torpor dos quais não se lembra de nada. A descoberta de que seu pai foi também um possível assassino serial aumenta ainda mais a crença de que Jessica é a culpada. Tudo, infelizmente, muito jogado e pouco provável. Mesmo a participação do trio Ashey Judd, Andy Garcia e Samuel L. Jackson, que prende a atenção do espectador, é lugar-comum. Os atores repetem seus papéis típicos: respectivamente, a frágil, mas valorosa mulher; o honesto e inteligente homem; e a sábia figura paterna. Apesar de competentes, as performances sem muito esforço não excedem o insosso roteiro. Espera-se que A Marca seja apenas um tropeço do diretor e sua próxima produção seja exemplo das inovações estilísticas e narrativas, às quais fomos acostumados. Em três décadas, ele se tornou um dos titãs do cinema. Não é justo que os espectadores, sobretudo os novos, sejam privados dessa qualidade.