Na Londres do pós-Guerra, Vera Drake (Imelda Stauton) é uma dona de casa que trabalha como faxineira. Com o intuito de ajudar moças, Vera faz abortos clandestinos.
- Por Alysson Oliveira
- 12/05/2005
- Tempo de leitura 3 minutos
O cineasta inglês Mike Leigh (Segredos & Mentiras) não é de desperdiçar cenas, personagens ou diálogos. Essa sua característica fica mais clara ainda em seu novo drama O Segredo de Vera Drake. Suas primeiras cenas têm o claro objetivo de mostrar quem é Vera Drake (Imelda Staunton, de Shakespeare Apaixonado) e o que ela faz. Uma senhora que trabalha fazendo faxinas para pequenos-burgueses, mãe de família, filha dedicada (que cuida da mãe idosa e praticamente inválida) e que gosta de ajudar as pessoas. Esse ato de ‘gostar de ajudar as pessoas’ inclui desde convidar o vizinho solitário para tomar chá da tarde até ajudar a mulheres a se livrarem de uma gravidez indesejada.
Para Vera, ela não está praticando um ato ilegal - isso nem passa pela cabeça dela – sua ação fundamenta-se num desejo mais altruísta de ajudar essas mulheres. Por isso, a primeira cena que mostra a personagem em ação é sem alardes (sem uma emocionante música ensurdecedora, por exemplo). O ato acontece da mesma forma como qualquer outra atividade da vida dela, como por exemplo, limpar uma lareira. O que Leigh tenta com este artifício é atestar que a prática de abortos está inserida no dia-a-dia de Vera.
Na Inglaterra dos anos 50, o racionamento de alimentos por causa da Guerra ainda é uma realidade na vida das famílias. E curiosamente, a mesma pessoa que vende mantimentos no mercado negro é aquela que passa pequenos pedaços de papel com o endereço de onde Vera deve ir para fazer ajudar uma mulher. Leigh não faz distinção das mulheres grávidas, mostrando que a opção pelo aborto não é um padrão econômico, social ou moral. Algumas podem ir ao médico, outras têm que recorrer a mulheres como Vera.
Diferente dos filmes anteriores do cineasta, em que ele coloca um teor político acima da arte, O Segredo de Vera Drake não toma partido em momento algum se é contra ou a favor do aborto – embora não seja difícil descobrir a posição de Leigh. Aqui, ele humaniza seus personagens e expõe os fatos. Cabe a cada um tirar suas conclusões e tomar partido, se quiser. Afinal, este longa é um filme de exposição, não de julgamentos. Isso traz a esse trabalho não apenas honestidade, mas beleza na direção contida. Diferente do ótimo Segredos & Mentiras, por exemplo, não há uma explosão conciliatória ou redentora. A família de Vera não explode, e, sim, implode, quando tem que enfrentar os seus demônios.
Parte da verdade do filme emerge da performance sublimemente perfeita de Imelda. Leigh em seu roteiro opta por nunca dar explicações psicológicas sobre a personagem. Tudo se desenvolve no plano físico, no que se vê da vida dela. Ela simplesmente faz abortos porque, como ela mesma diz, quer ‘ajudar as moças’. Evita-se cair numa explicação sobre os atos dela – até porque tanto o cineasta/roteirista como a atriz não devem nenhuma explicação ou dissecação da personagem.
O Segredo de Vera Drake foi um dos filmes de 2004 mais premiados. Além de ganhar o Leão de Ouro e prêmio de melhor atriz em Veneza, foi indicado a três Oscars (diretor, atriz e roteiro), ganhou o BAFTA de atriz, figurino e o prêmio especial de direção, e muitos outros prêmios. Esse reconhecimento do trabalho de Leigh é a prova de que O Segredo de Vera Drake consegue ir além da polêmica do aborto num filme em que a discussão é uma conseqüência e não a razão de ser.