A adaptação toda, na verdade, está muito mais calcada numa releitura século XX, pós-revolução sexual, colocando um feminismo fora de época na personagem – coisa que não havia no original. E esse é o grande erro do longa. Becky é uma alpinista social inescrupulosa que não mede esforços para escalar até o topo a sociedade britânica. Ao transformá-la numa espécie de ícone do feminismo, Mira e o roteirista Julian Fellowes (Assassinato em Gosford Park) dão à personagem uma dimensão que ela não tem. É como querer transformar Scarlett O’Hara em Norma Rae – como se a heroína sulista quisesse ser politicamente correta e sindicalizar todos os seus escravos. Algo que não funciona.
O filme prova também que mistura de gêneros é algo que não costuma dar certo. Enquanto o livro, publicado em 1848, é uma sátira social ácida, cutucando diversos segmentos da sociedade inglesa, Mira mistura um pouco do sarcasmo de Thackeray com um romance açucarado, resultando em algo indigesto, pois Feira das Vaidades nunca se assume por completo em nenhum dos gêneros.
Enquanto Becky Sharp vai fazendo sua escalada social, diversos personagens cruzam o seu caminho: a maioria servindo como degrau. A principal vítima é a melhor amiga da garota, Amelia Sedley (Romola Garai), com quem ela deixa o internato – mas com a diferença de que esta é rica, e tem tudo aquilo que outra gostaria de ter. A primeira tentativa, aliás, da protagonista de ficar rica é se casando com o irmão da colega – mas uma trama mesquinha faz com que os planos sejam cancelados e o rapaz vá para a Índia.
Becky é obrigada a ganhar a sua vida de forma honesta até que surja uma boa oportunidade para dar o bote. Enquanto a personagem tem sua ascensão financeira e social, sua amiga enfrenta o declínio, quando sua família perde a fortuna, sendo obrigados a abandonar o estilo de vida. Isso poderá custar a Amelia o casamento com o grande amor da sua vida.
O filme lembra muito a estrutura dramática de ... E O Vento Levou, embora sem a mesma força. A batalha de Waterloo entra no lugar da Guerra Civil, com momentos bem parecidos com aqueles que mostram os feridos espalhados por Atlanta. E mesmo as idas e vindas de Becky com seu par replicas de omega relembram as brigas de Scarlett e Rhett. Esse parentesco acaba sendo uma inversão curiosa, pois quando ... E O Vento Levou foi publicado, muitos disseram que sua autora Margaret Mitchell havia usado Becky como modelo para a sua personagem – embora a escritora tenha negado.
Reese Witherspoon é uma atriz dedicada e talentosa, que consegue fingir um sotaque britânico a maior parte do tempo – embora o esqueça nas cenas mais dramáticas. Mas ela é American Girl demais para o personagem, perdendo assim as nuances naturais de Becky. Sua atitude tem um quê de ousado, mas, ao mesmo tempo que desafia ela parece estar implorando para que as pessoas ainda assim gostem dela.
Vanity Fair é um dos livros mais adaptados para o cinema – sendo que a versão mais famosa é Becky Sharp, de 1935, o primeiro filme em technicolor. Até Stanley Kubrick pensava em levar a história para as telas, mas desistiu devido ao tamanho e complexidade da empreitada. Acabou adaptando outro livro de Thackeray, Barry Lyndon. É praticamente impossível traduzir para um filme de pouco mais de duas horas toda a diversidade do painel sócio-cultural do livro. Por isso, nesta versão, tudo parece muito apressado, os fatos e os personagens não têm tempo de amadurecer organicamente.
A cineasta não deixa de lado as suas origens indianas quando em algumas cenas invoca alguns dos momentos mais rebuscados de Bollywood, com direito a muito colorido e brilho. E, por fim, não deixa de ser estranho que seja dada tanta atenção para que a direção de arte e figurinos sejam fiéis à época em que se passa a história, se os personagens têm atitudes típicas do século XXI.