Todo grande número de mágica consiste em três atos. O primeiro é chamado de A Promessa. O mágico mostra algo ordinário – mas, claro, provavelmente não é, explica o personagem Cutter (Michael Caine) no início de O Grande Truque. O diretor Christopher Nolan deixa claro com esse discurso inicial que está fazendo um paralelo entre o filme e um show de magia – até o final, o longa deverá perseguir o caminho descrito pelo personagem. Para isso, ele promete algo ambicioso, mostrando coisas banais. Será um filme sobre amizade, rivalidade e surpresas.
Dois amigos ganham a vida participando de números de magia. Eles são os ‘voluntários’ da platéia, que se dispõem a amarrar a mocinha que será jogada num tanque de água, e com a ajuda do mágico se livrará das cordas e depois de alguns minutos estará novamente no palco. Porém, uma apresentação dá errado, e ela morre. Um dos amigos Robert Angier (Hugh Jackman) era casado com ela, e coloca a culpa dos nós bem atados no outro, Alfred Borden (Christian Bale), o que os transformará em rivais.
Nessa apresentação, Nolan, e seu co-roteirista e irmão Jonathan Nolan (eles trabalharam juntos no primeiro filme do diretor, Amnésia) apresentam o que está por vir. As primeiras impressões são positivas. Afinal, a trama promete ir a fundo numa rivalidade ferrenha, o visual parece interessante e os atores estão bem.
II - O segundo ato é chamado de A Virada. O mágico faz a coisa ordinária fazer algo de extraordinário. Agora você está procurando por um segredo. Mas não vai acha-lo, prossegue Cutter em sua explicação. À medida em que os Nolans desenvolvem a narrativa, O Grande Truque perde um pouco seu eixo. O que parecia ser um filme sobre magia, se revela um estudo sobre obsessão e vingança. O que seria uma boa surpresa, não fosse o roteiro confuso com idas e vindas no tempo e espaço e mudança de narradores. A linha central da narrativa seria o ‘presente’ com Borden preso, lendo o diário cifrado de Angier, que também fez anotações sobre o diário do rival que, no passado, conseguiu por meios escusos. São dois círculos concêntricos que às vezes se tocam, e nem sempre deixam claro quando ou como algo está acontecendo.
Nessa falta de linearidade é onde o roteiro, baseado num romance de Christopher Priest, se perde. Nesse ponto, Nolan, o diretor, se mostra mais hábil em criar imagens mais interessantes do que a história que conta. Os primórdios da eletricidade servem com desculpa para alguns belos momentos visuais. Angier conta com a ajuda do cientista Nikola Tesla (o músico David Bowie), para criar o maior truque de sua carreira. O Grande Truque ainda tenta se manter no mesmo patamar. Mas, como num número de magia, o diretor se mostra em dúvida se o seu público está satisfeito e prossegue.
III - Por isso há o terceiro ato, chamado O Grande Truque. Nesse momento em que ocorre a mudança, em que as vidas ficam por um fio, você vê alguam coisa impressionante que nunca viu na vida, conclui Cutter. Quando o longa entra em sua reta final já está tão confuso que, a grande revelação, a grande sacada do filme (como Angier faz um número chamado O Homem Transportado Real) está chegando em sua explicação, tudo até então está tão mal delineado que é quase impossível acreditar que os irmãos Nolan se perderam tanto para chegar até ali.
A seu crédito, eles eliminaram um segmento contemporâneo do livro original que em nada ajudava na narrativa, protagonizado pelos descendentes dos dois mágicos. No entanto, eles mantiveram alguns vícios de Priest que transformavam a narrativa em algo rocambolesco e nem sempre interessante de se acompanhar. Assim, alguns personagens vão ficando cada vez mais rasos, em especial os femininos (a personangem de Scarlett Johansson - que serve de elo entre os dois protagonistas - é especialmente sem motivação ou coerência) , e a história menos interessante.
O Grande Truque vale mais por seus floreios visuais do que pela história que conta. O diretor mostra um senso aguçado para transformar os números de magia em grandes espetáculos – tanto para o público que está ‘ao vivo’ vendo Angier e Borden, quando para a platéia do filme. No entanto, esses são momentos esparsos ao longo das mais de duas horas do filme. Nolan consegue passar pelo primeiro e segundo ato muito bem. Porém, quando deveria mostrar o seu grande truque, algo impressionante, ele cai num vazio.