Por mais de dez anos o publicitário paulistano Ricardo Van Steen manteve o projeto de filmar uma cinebiografia do compositor carioca Noel Rosa (1910-1937). Ele finalmente concluiu o trabalho neste que é seu longa de estréia. Embora a produção do filme seja bastante bem-cuidada, mostrou-se tarefa maior do que as forças do diretor estreante dar conta da multiplicidade do personagem.
O ponto de partida foi o livro Noel – Uma Biografia, de Carlos Didier e João Máximo, uma das mais completas pesquisas sobre o sambista, que morreu muito jovem, antes de completar 27 anos. Antes, conseguiu a impressionante façanha de deixar como legado nada menos de 250 canções, compostas sozinho ou em parceria, em apenas sete anos (1931-1937).
Quase todas essa músicas são, aliás, conhecidas até hoje, regravadas por vários intérpretes, caso de Pierrô Apaixonado, Feitiço da Vila, Palpite Infeliz e Último Desejo. Todas estas e muitas outras fazem parte da cuidada trilha do filme, que teve produção musical de Arto Lindsay.
Para viver o papel de Noel, escalou-se o estreante Rafael Raposo que, depois de perder 14 kg e usar uma prótese no queixo – para reproduzir o conhecido defeito no rosto do sambista – ficou impressionantemente parecido com seu personagem. Ele vive na tela a intensa e curta vida do músico, que abandona a faculdade de Medicina para cair na boemia.
Tornando-se amigo e parceiro de compositores do morro, como Ismael Silva (Flávio Bauraqui, de Quase Dois Irmãos) e Cartola (Jonathan Haagensen, de Cidade de Deus), o rapaz branco de classe média aprende tudo sobre o samba. Contra toda a lógica, torna-se famoso, vende milhares de discos e, em pouco tempo, ganha o bastante para sustentar os pais (Laura Lustosa e Rui Resende).
O filme focaliza uma das maiores rivalidades da vida de Noel, contra o também sambista Wilson Batista (Mário Broder). Noel começa um desafio, compondo Rapaz Folgado como resposta a uma música de Batista, Lenço no Pescoço. Batista aceita o jogo e responde com Frankstein da Vila – em cuja letra refere-se abertamente ao defeito do queixo de Noel, afundado por fórceps, por ocasião de seu nascimento.
Sem se intimidar, Noel rebate com Palpite Infeliz. E Wilson continua, com Terra de Cego. Na verdade, a briga que rendeu tantos sambas de qualidade encobria uma disputa amorosa – Wilson tinha roubado uma namorada de Noel.
O lado mulherengo de Noel é bem explorado no roteiro. Pressionado a casar-se com a operária Lindaura (Lidiane Borges), que ele tinha seduzido, Noel continua, porém, a passar suas noites nos bares e cabarés – onde conhece um de seus maiores amores, a dançarina Ceci (Camila Pitanga). Finalmente, os excessos destas noites regadas a muito cigarro e álcool cobraram o preço numa tuberculose galopante, que matou o compositor em dezembro de 1937 e deixou um buraco enorme na música brasileira.