Como havia feito num filme anterior, Quase Dois Irmãos (2004), novamente Lúcia recorreu a uma parceria com o escritor Paulo Lins (autor de Cidade de Deus) para escrever o roteiro. Uma parceria que sinaliza a procura de uma preocupação no enfoque da cidade dividida duas vezes, entre morro e asfalto e entre um lado e outro do próprio morro.
O elenco conta com poucos nomes famosos – caso de Marisa Orth, Flávio Bauraqui e Babu Santana -, colocando nos papéis principais jovens escolhidos por testes, alguns deles atuantes em grupos de dança ou teatro do Rio de Janeiro e sem experiência anterior em cinema. Esta inexperiência pode ter dado trabalho à direção, mas o resultado na tela é compensador. O jovem elenco de dançarinos e atores entrega com energia e verdade na tela esta história forte, que traz ecos de Cidade de Deus, o filme – sem procurar a mesma voltagem -, atualizando o legado poético e social de produções como Rio 40 Graus (55), de Nelson Pereira dos Santos, e Orfeu Negro (59), de Marcel Camus.
Usando como cenário a favela carioca da Maré, a história acompanha o surgimento da paixão entre Analídia (Cristina Lago) e Jonatha (Vinícius D’Black). Os dois participam do grupo de dança da escola da ex-bailarina Fernanda (Marisa Orth), uma mulher de classe média que decidiu liderar um projeto na favela. É um lugar dramaticamente dividido ao meio, onde cada um de seus lados é dominado por uma facção do tráfico de drogas e disputa acirradamente o controle do morro e de seus moradores.
Analídia é filha de Bê, que está preso e chefia uma das facções. Jonatha é irmão de criação de Dudu (Babu Santana, de Cidade dos Homens), chefe da outra facção. Tanto Analídia quanto Jonatha rejeitam as ligações criminosas de seus parentes. Analídia rejeita o pai preso e não o visita na cadeia. Jonatha é cantor e seu maior sonho é gravar um CD. Mas recusa-se a aceitar dinheiro de Dudu para essa finalidade, apesar de ele insistir em oferecer.
Pesa também nesta decisão do jovem a influência do outro irmão mais velho, Paulo (Flávio Bauraqui, de Quase Dois Irmãos), que procura fazer com que o caçula não se afaste de uma vida honesta.
No meio da favela dividida e muitas vezes abalada por conflitos, a professora de dança esforça-se por despertar talentos e montar um espetáculo. Mesmo assim, Fernanda tem de lidar com pressões de todo tipo, até para pintar a fachada da escola. Numa semana, ela recebe ordem de uma facção para pintar a parede de azul, cor que simboliza aquele grupo. Na semana seguinte, os rivais reagem, forçando a professora a pintar tudo de vermelho, cor de seu grupo. Rejeitar qualquer uma das ordens pode custar sua vida.
Coerentemente com a estrutura de um musical, muitas destas questões são contadas por músicas e coreografias, estas últimas desenvolvidas por Gabriela Figueroa, com a colaboração de Sonia Destri. Na trilha musical, assinada por Fernando Moura e Marcos Souza, ouvem-se canções como “Você”, de Tim Maia, “Favela”, de Marcelo Falcão e Xandão, “Gente de Lá” e “Minha Alma”, ambas de Marcelo Yuka, e até alguns trechos do erudito “Romeu e Julieta”, tema musical para um balé de 1936, composto pelo compositor ucraniano Sergei Prokofiev (1891-1953).