Prêmio da Crítica na Mostra de São Paulo em 2007, este drama de Nicolas Klotz não teme traçar um paralelo entre os métodos de seleção racial e social nazistas e os competitivos processos internos das grandes corporações modernas. Tese polêmica, colhida no livro de François Emmanuel, em que se baseia o roteiro de Elisabeth Perceval e que, ao final da projeção, torna-se assustadoramente sustentável.
Um dos atores franceses mais vigorosos e disputados da atualidade, Mathieu Amalric interpreta Simon Kessler, psicólogo de uma grande empresa petroquímica alemã, a SC Farb. Como todo psicólogo de empresa, seu trabalho visa mais o bem-estar da corporação do que o dos seres humanos que nela trabalham. Assim, seus esforços voltam-se, basicamente, a evitar que o estresse prejudique a produção, especialmente nos momentos em que há grandes cortes de pessoal, que geram crises, protestos, raiva e toda uma gama de emoções naturais. Fora isso, ele também supervisiona funcionários cujo comportamento se desvie das expectativas das chefias. Um grande e melífluo controlador, enfim.
Um dia, um diretor da empresa, Karl Rose (Jean-Pierre Kalfon), chama-o para uma missão especial – quer que o psicólogo monitore ninguém menos do que o vice-presidente da companhia, Mathias Just (Michael Lonsdale, de As Sombras de Goya). Rose alega que Just apresenta comportamento impróprio, assediando mulheres e demonstrando desequilíbrio para tomar as decisões importantes que lhe cabem.
Kessler não pode aproximar-se deste alto funcionário da mesma maneira que de todos os demais – que, além de tudo, o temem, com razão. Vai, então, procurar o vice-presidente sob pretexto de montar uma orquestra dentro da empresa. No passado, Just tocou violoncelo e fazia parte de um quarteto clássico.
Como a atuação de Kessler é bem conhecida, o investigado logo percebe que há alguma manobra em curso e que a iniciativa de vigiá-lo vem dos altos escalões da Farb. Suas conversas com o psicólogo cedo demonstrarão que Just também tem argumentos e estratégias de sobra guardados em suas mangas. Kessler não trilha mais o caminho seguro de todas as suas intervenções e uma profunda perturbação, física inclusive, começa a dominá-lo. E ele, mais do que ninguém, dispensa diagnósticos alheios. Sabe muito bem o terreno minado em que pisa.
A chegada de cartas anônimas e a descoberta de outros personagens, como um antigo colega de Just no quarteto musical (Lou Castel) trazem à tona informações bombásticas sobre o passado da empresa e de seus altos diretores, relacionados com o nazismo e experiências de eugenia. A identidade de alguns participantes da trama também é questionada.
Inesperadamente, o próprio psicólogo vê-se diante de uma crise moral em relação ao seu trabalho – o que, a bem da verdade, acontece um tanto tardiamente. Quando diz a si mesmo que está apenas cumprindo ordens, ao contornar as crises causadas por demissões e novos processos, ele não está usando o mesmo argumento daqueles militares que permitiram as perseguições e massacres contra os judeus ? A idéia central deste filme é a moral e a responsabilidade. Temas que não se esgotam nunca e aos quais este filme denso e admirável fornece extraordinária munição.