No início do século XX, pouco antes da I Guerra Mundial, uma pequena aldeia alemã, até ali pacata, começa a ser palco de acontecimentos violentos. Provoca-se a queda de um médico do cavalo, uma lavradora morre e até crianças são atacadas. O clima de medo cresce numa comunidade de severa moral protestante. Gratuitamente no Sesc Digital até 28/1/2025.
- Por Neusa Barbosa
- 08/02/2010
- Tempo de leitura 3 minutos
Duas correntes paralelas, a justiça com as próprias mãos e a repressão às emoções e instintos mais básicos, dominam o ambiente da pequena aldeia alemã que é o centro dos acontecimentos de A Fita Branca.
É o princípio do século XX, pouco antes do estouro da I Guerra Mundial. A placidez do lugar na verdade, não passa de aparência. Este pequeno mundo isolado, que parece nutrir-se da severidade das próprias regras, está corrompido nos seus sentimentos e valores mais profundos.
Os primeiros sinais são claros. O médico local (Rainer Bock) sofre uma grave queda do cavalo depois que alguém esticou um fino fio metálico entre duas árvores, no seu caminho para casa. Seriamente ferido, ele corre risco de vida, ficando seus filhos aos cuidados da parteira local (Susanne Lothar), já que ele é viúvo.
O incidente, que parece isolado, multiplica-se em outros – como a morte aparentemente acidental de uma lavradora a serviço do barão (Ulrich Tukur, de Amém), o mais poderoso proprietário rural da região, de quem praticamente todos os camponeses dependem.
O filho da lavradora reage, acreditando que o barão é culpado pela morte da mãe, destruindo sua larga plantação de repolhos. Logo mais, mesmo crianças, como Sigi (Fion Mutert), filho do barão, e Karli (Eddie Grahl), o filho da parteira, que sofre de síndrome de Down, serão vítimas de violências. Um conjunto de episódios que choca a comunidade, estruturada sob uma rígida moral protestante, sob a liderança do pastor (Burghart Klausner, de O Leitor).
O único a destoar do padrão de comportamento local é o professor primário (Christian Friedel), que veio de uma aldeia perto dali. Espécie de voz sutil da razão, ele é também o único a estranhar a liderança exercida por Klara (Maria-Victoria Dragus), filha mais velha do pastor, sobre as demais crianças do lugar.
Não é difícil perceber o quanto essas crianças são oprimidas por uma educação rígida e cruel, que as submete a dolorosos castigos físicos, exigindo um respeito absoluto pela hierarquia e não lhes permitindo qualquer opinião ou comentário sobre coisa alguma. O machismo exerce um peso ainda maior sobre meninas e mulheres.
Nessa pequena comunidade, chama a atenção a ausência de uma justiça organizada. O poder político é exercido pelo mesmo barão que domina a região economicamente e mantém em suas terras as mesmas relações medievais de trabalho vigentes há séculos. Mesmo a polícia é mantida à distância, a não ser quando os eventos criminosos tornam-se frequentes demais para continuarem a ser abafados.
Falta uma sociedade civil nesta aldeia, cuja lacuna é preenchida pelo autoritarismo moralista, religioso e repressor. O único a ter um foco diferente, com sentimentos mais luminosos, é o professor, que se apaixona por uma jovem babá a serviço do barão, Eva (Leonie Benesch), e quer constituir família.
É muito fácil enxergar aqui uma fábula sobre as raízes do nazismo, que em poucas décadas tomaria conta da Alemanha, seguindo os mesmos monstruosos princípios do moralismo repressor, da justiça com as próprias mãos contra os alvos tidos como “culpados” por alguma ruptura da ordem social tida como ideal – bem como a busca da eliminação dos mais fracos e dos deficientes. Mas não é a única leitura.
A Fita Branca mostra-se poderoso como parábola política, revelador em suas inúmeras camadas. Com este filme intenso e rigoroso, o diretor Michael Haneke (Caché, Violência Gratuita) conquistou sua primeira Palma de Ouro em Cannes, em 2009, e duas indicações para o Oscar 2010 (filme estrangeiro e fotografia, aliás, um primor de Christian Berger em elegante preto-e-branco).