25/04/2025
Fantasia Aventura

O mundo imaginário do Dr. Parnassus

Em Londres, uma trupe vaga pelas ruas, convidando espectadores a embarcar numa viagem na imaginação, através da entrada de um espelho mágico. O Diabo em pessoa aparece para cobrar uma antiga aposta do dono do espelho, o dr. Parnassus, cujo preço é a própria filha do mago.

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Único americano na famosa trupe britânica de humoristas Monty Python e seu maior roteirista, além de diretor de filmes como Monty Python e o Cálice Sagrado (75), entre vários outros, Terry Gilliam foi perseguido por uma inacreditável maré de azar na entrada dos anos 2000 – quando a doença de seu ator principal, o francês Jean Rochefort, problemas financeiros e até enchentes aniquilaram um projeto com o qual ele sonha há anos, The Man who Killed don Quixote.
 
Por conta disso, ele ficou sete anos sem concluir um trabalho (tempo que se passou entre Medo e Delírio em Las Vegas, de 1998, e Os Irmãos Grimm, de 1995). O azar voltou mais sinistro ainda durante as filmagens de O Mundo Imaginário do dr. Parnassus, em que ocorreu a morte do ator Heath Ledger, em janeiro de 2008.
 
Não fosse a extrema generosidade dos atores Johnny Depp, Jude Law e Colin Farrell, talvez o filme se tornasse outro projeto abortado de Gilliam. Felizmente, a parceria entre os três atores – que fizeram as cenas que faltava Hedger filmar - e o criativo diretor concluiu o filme, que foi exibido no Festival de Cannes 2009, indicado a dois Oscar (direção de arte e figurino, realmente ótimos) e agora estreia no Brasil, com aquele irritante atraso de sempre.
 
O Mundo Imaginário do dr. Parnassus sintetiza o melhor da luminosa imaginação de Gilliam ao contar a história de uma excêntrica trupe mambembe, que percorre as ruas de Londres liderada pelo misterioso dr. Parnassus (Christopher Plummer). O indecifrável guru convida os espectadores a entrarem numa espécie de espelho mágico, que proporciona a cada um uma viagem imaginária diferente. Alguns são lançados pelo espaço e encontram criaturas medonhas. Outros têm experiências mais prazerosas, em paisagens coloridas.
 
Os assistentes de Parnassus são sua filha adolescente, Valentina (Lily Cole), o jovem Anton (Andrew Garfield) e o pequenininho Percy (Verne Troyer, o impagável Mini-me de Austin Powers). Ninguém leva vida boa. A trupe não consegue arrecadar mais do que alguns trocados a cada passagem e, não raro, tem que fugir de clientes insatisfeitos com o pavor sofrido do outro lado do espelho.
 
Um dia, os atores salvam a vida de Tony (Heath Ledger), que encontram dependurado pelo pescoço debaixo de uma das pontes de Londres – uma imagem sinistra, ainda mais quando se lembra que Ledger morreu, embora não daquela maneira. O estranho está desmemoriado e passa a trabalhar no grupo, mostrando-se até eficiente como marqueteiro e na exploração de novas praças.
 
Se Tony tem um passado não muito edificante a esconder, pior ainda é o caso de Parnassus. Há uns mil anos – literalmente -, ele não consegue resistir a apostar com Mr. Nick (o roqueiro Tom Waits), que é ninguém menos do que o Diabo em pessoa. Nick está chegando para cobrar o preço da última aposta de Parnassus para manter sua inacreditável longevidade: a filha dele, Valentina, que está prestes a completar 16 anos, data acertada para sua entrega a Nick. Só que a garota nem desconfia do trato.
 
Nick não é um cobrador apressado. Sabendo do fraco de Parnassus por apostas, e seu desespero para manter a filha, ele proporciona nova chance de evitar sua entrega: propõe que o mago lhe arranje, no lugar da moça, cinco almas. E Parnassus vai à luta. Uma das melhores sequências está na passagem dos saltimbancos por um luxuoso shopping center, onde montam seu estande do espelho e proporcionam emoções disputadas a muito dinheiro por parte das fúteis e solitárias peruas que infestam o local.
 
 
Com a sua liberdade de imaginação e senso de ritmo, o filme caminha muito bem, levando o espectador numa viagem que tem seus momentos de suspense, diversão e até reflexão – Gilliam é esperto demais para fazer alusões gratuitas ao bem e ao mal, ao mundo dos ricos e às fraquezas humanas. Fala de moralidade com um humanismo cínico, abordando coisas sérias com um sorrisinho, sem pretender fazer discursos, nem converter ninguém.
 
A própria participação dos três atores, Depp, Law e Farrell, revezando-se no papel de Tony quando ele entra no mundo imaginário do espelho de Parnassus, mostrou-se, afinal, uma solução quase tão boa quanto se tivesse sido planejada no roteiro. O melhor é que salvou o filme, que se torna uma homenagem ao talento de Ledger, morto tão precocemente, com 28 anos.
 
Assim, a maré de azar de Gilliam parece finalmente estar decolando. Até The Man who Killed Don Quixote, que ficou todos estes anos parado nas mãos da companhia seguradora, já entrou novamente em pré-produção, agora com Robert Duvall a bordo. Perto de completar 70 anos (em novembro), Gilliam parece o próprio Quixote, só que bem mais safado.
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