Um jovem funcionário que não consegue pagar a mensalidade da faculdade. Dois garotos que tentam conseguir dinheiro para um frango. Um traficante, uma moça e um policial diante do dilema do tráfico. Um garoto perde a pipa e tem que entrar no território proibido de uma favela rival. Um Natal sem energia elétrica. Cinco episódios contam, com humor e drama, momentos da vida nas favelas cariocas.
- Por Neusa Barbosa
- 23/08/2010
- Tempo de leitura 3 minutos
Há dois 5 x Favela, feitos no espaço de quase 50 anos. A surpresa é que um é o espelho ampliado do outro.Não haveria como o atual 5 x Favela– Agora por nós mesmos deixar de ecoar o filme original de 1961, já que o primeiro é o germe deste novo. Logo as benvindas diferenças se apresentam e não apenas porque o filme de 1961 era fotografado em preto-e-branco e o atual, em cores. Naquela época, reuniram-se cinco jovens diretores de classe média e universitários, num projeto dividido em episódios, bancado pelo Centro Popular de Cultura da UNE. Com a iniciativa, voltava-se o olhar do asfalto para as comunidades que, já então, cobriam os morros do Rio de uma realidade efervescente e rica em contradições e conflitos.
Cinco diretores emergiram daquele filme, alguns tornando-se ícones do então nascente movimento do Cinema Novo – caso de Joaquim Pedro de Andrade, Leon Hirzman e Cacá Diegues. É Diegues, justamente, quem agora assina a produção deste novo filme em torno de outras histórias ambientadas nas comunidades cariocas, que teve sua première mundial no Festival de Cannes 2010, fora de competição.
A grande diferença é que os sete diretores que assinam os cinco episódios atuais saíram das próprias favelas. É, portanto, um olhar de dentro que constroi as narrativas, cujo tom oscila entre a comédia rasgada (caso dos episódios “Arroz com Feijão” e “Acende a luz”) ao drama tenso (especialmente no segmento “Concerto para Violino”). De todo modo, a unidade dramática, que é comum vacilar em filmes de episódios, é garantida pela mão de Rafael Dragaud, que costurou os cinco roteiros saídos da discussão coletiva das oficinas, e foi, por isso, premiado com o troféu de roteiro em Paulínia 2010 – festival de que o filme saiu o grande vencedor, com sete prêmios (incluindo o mais cobiçado, melhor ficção, que valia R$ 150.000,00).
Os temas repassam questões sociais explosivas, como o dilema do jovem calouro de direito (Silvio Guindane), protagonista de “Fonte de renda”, de Manaíra Carneiro e Wavá Novais, que é tentado pelo tráfico para dar conta de pagar as mensalidades da faculdade – coisa que o seu emprego numa padaria não está cobrindo. As escolhas em torno do crime também formam o cenário do drama “Concerto para Violino”, de Luciano Vidigal, que registra interpretações sólidas do trio Thiago Martins (de Era uma vez), Cíntia Rosa e Samuel de Assis.
Uma veia humorística percorre os outros três episódios, especialmente o ótimo “Arroz com Feijão”, de Rodrigo Felha e Cacau Amaral, que acompanha as aventuras de uma dupla de garotos (Juan Paiva e Pablo Vinicius) para conseguir dinheiro para comprar um frango para o pai de um deles (Flávio Bauraqui). A hilária participação do veterano cineasta Ruy Guerra (Os Cafajestes, Os Fuzis) no elenco é mais uma ligação com o Cinema Novo e outro sinal explícito da generosidade desta passagem de gerações, que não é tão comum no cinema brasileiro.
“Deixa voar”, de Cadu Barcellos, coloca em primeiro plano a tensão na entrada de um garoto (Vitor Carvalho) numa favela “inimiga” para buscar uma pipa perdida. E o episódio final, “Acende a luz”, de Luciana Bezerra (do grupo Nós do Morro) imagina os desdobramentos, afinal cômicos, de uma falta de luz no morro em pleno Natal.
Sem partir da mesma intenção política do filme de 1961, 5 x Favela – Agora por nós mesmos realiza uma das principais intenções dos sete diretores, anunciadas em todas as entrevistas dadas em festivais – fornecer um contraponto a filmes celebrados sobre a favela, especialmente Cidade de Deus, de Fernando Meirelles, mas evidenciando sentimentos diferentes, especialmente o humor. Sem dúvida, isso eles conseguiram, além de contar direitinho suas histórias, escapando do risco de fazer um mero “filme ONG”. Nada disso. 5 X Favela... é um filme por inteiro.