Mais ainda que a liberdade, na concepção de Cecília Meirelles, o amor não há quem o explique, mas também não há quem não o entenda. Atemporal, já foi tema de poetas, filósofos e toda espécie de pensadores uma vez que, entre todas as aflições da alma, é a maior delas. Esse sentimento, capaz de igualar todos os mortais num desejo cego de querer bem o ser amado, é algo interior e inexplicável, mas sua dimensão pode ser notada em sua perda.
Não há pensamento capaz de suprimir o amor, mas, como acredita a psicanálise, a racionalidade é, assim como o reflexo, um esforço desesperado de sanar a dor. Não é por acaso que, depois de um fora, avalanches de devaneios nos invadem em busca de culpados: o outro, você e, por fim, ninguém. Desse processo conturbado que é a perda do ser amado, ninguém sai ileso e até o mais insensível dos mortais leva para a próxima relação algo da anterior.
Toda a aura que envolve o primeiro amor é a ausência da carga emocional de outros relacionamentos. Ele é simples, doce e ingênuo. Assim é Houve Uma Vez Dois Verões, de Jorge Furtado, que abre mão de todas as divagações sobre a essência desse sentimento tão complexo, para criar uma comédia romântica adolescente, despretensiosa e sincera. Enquanto esperava o trâmite para a liberação de verba para o que seria seu primeiro longa-metragem, O Homem que Copiava, Furtado escreveu uma história que nem ele sabe ao certo quanto faz parte de suas próprias memórias e quanto extraiu do convívio com os filhos adolescentes.
Houve uma Vez Dois Verões - referência ao filme de Robert Mulligan, Houve uma Vez Um Verão (1971) - leva Chico (André Arteche) e Juca (Pedro Furtado, filho do diretor) a uma praia gaúcha. A dupla de amigos procura o que fazer no local que, fora da alta temporada, está vazio. Uma das poucas opções é o fliperama, onde Chico conhece Roza, com z, por quem se apaixona e com quem tem a primeira transa. Mas a garota desaparece no outro dia e Chico, que não sabia muito como passar o tempo, começa agora a perambular pelo local em busca da amada.
Com o humor que sempre pontuou seus curtas-metragens (Ilha das Flores, Barbosa, O Sanduíche) , além dos trabalho para televisão (A Invenção do Brasil e Luna Caliente) , Furtado escolheu atores desconhecidos e vídeo digital para conferir ao filme um caráter documental, onde os jovens atuam da mesma maneira como agem normalmente. A isso, se somam diálogos deliciosos e o resultado é uma comédia feita para agradar adolescentes, mas que também alcança adultos que nunca esqueceram o friozinho na barriga gerado pelo primeiro amor.
Cineweb-6/9/2002