24/04/2025
Suspense Drama

O Sequestro de um Herói

Stanislas Graff é bilionário e invejado. Um dia, é sequestrado e a gangue pede por ele um resgate de 50 milhões de euros. Sua família tenta manter a polícia afastada e seus associados pensam no que fazer. E a imprensa descobre um lado menos edificante da vítima.

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O ator e diretor belga Lucas Belvaux é um especialista em captar temas contemporâneos e expor, se não seu avesso, algumas de suas facetas pouco exploradas – o que torna muito instigantes seus filmes, como a trilogia Em Fuga, Um Casal Admirável e Acordo Quebrado (2002), alguns dos seus poucos trabalhos exibidos em circuito comercial no Brasil.
 
De certa forma, há uma proximidade entre ele e o cineasta francês Robert Guédiguian (A cidade está tranquila), proximidade temática e de atitude diante da atualidade e de suas questões mais espinhosas – como o terrorismo, a criminalidade, a droga, as paixões, todos assuntos que permearam a trilogia de Belvaux e que comparecem mais uma vez neste seu novo O sequestro de um herói.
 
Outro aspecto que liga Belvaux a Guédiguian é uma composição de personagens rica em nuances, que os aproxima de pessoas reais e lhes permite escapar de classificações fáceis. Assim, não deve enganar ninguém este estranho título brasileiro, para um original em francês que se limitava a um seco e direto Rapt, ou seja, rapto, sequestro.
 
De todo modo, é bom abandonar qualquer ideia preconcebida – aqui, herói não há nenhum. Muito menos o protagonista, o bilionário Stanislas Graff (Yvan Attal). Prepotente, egocêntrico, manipulador, fútil, viciado em jogo e mulheres, emocionalmente gelado, ele é tudo isso e muito mais, no momento em que o filme começa. Logo é sequestrado por um grupo de bandidos altamente treinados e não menos frios do que ele, como se deduz de sua assustadora decisão sobre como convencer a família e os associados de Graff de que ele realmente está em seu poder.
 
Habilmente, o roteiro, do próprio Belvaux, testa os sentimentos do espectador diante da situação deste virtual vilão que, por sua condição de vítima, pode despertar piedade ou simpatia. Estes captores, sempre mascarados, são tão implacáveis quanto Graff costuma ser em seus negócios, até em sua vida familiar – que não é nenhum mar de rosas, já que o bilionário frequentemente dorme numa sala à parte, longe de sua mulher, Françoise (Anne Consigny), acompanhado apenas de seu cachorro, a criatura a quem ele parece dedicar maior carinho, até do mais do que a suas filhas (Sarah Messens e Julie Kaye).
 
Ao acompanhar, em paralelo, o sufocante cativeiro de Graff, a atmosfera formal de sua empresa – a quem os sequestradores pedem nada menos do que 50 milhões de euros como resgate – e o clima tenso de sua mansão, onde a mulher, as filhas e a mãe de Graff, Marjorie (Françoise Fabian), igualmente desfiam mágoas e afundam no desespero da situação, Belvaux fecha o microcosmo de seus questionamentos sobre a modernidade.
 
É fascinante seguir o desdobramento da situação central, cujos rumos oscilam o tempo todo e não na direção das fórmulas dos policiais norte-americanos. A vítima é exposta pela imprensa, que traz à tona inúmeros de seus vícios secretos. Graff tem sua imagem pública severamente arranhada, embora continue refém. Se O sequestro de um heroi incorpora também componentes de um thriller, ele busca bem mais solidamente uma exploração a fundo da ética de toda uma sociedade, ainda que de sua parte legalmente estabelecida e de suas instituições publicamente respeitadas.
 
O desenvolvimento da história e sua conclusão igualmente não apelam nem ao óbvio, nem ao bom-mocismo, nem a uma catarse, mas apontam caminhos eventualmente paradoxais e inquietantes. Belvaux, mais uma vez, estimula a inteligência do espectador.
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