Um jogo teatral que se entrelaça com os jogos amorosos entre um quinteto de pessoas – atores, um diretor e um produtor teatral – constituem o núcleo deste novo filme do veterano diretor e roteirista francês Jacques Doillon (Ponette).
Deixar de lado o realismo e viajar nas palavras e pequenas armadilhas destes personagens é a única graça desta história – que não é para todos. Nem todo mundo se diverte num mundinho tão próprio, em que as aparências custam a cair por baixo de tanto palavrório, usado por quem, afinal, faz do verbo seu métier.
Para quem se dispõe ao jogo teatral a que se conduz o filme, no entanto, há atrativos – como a versatilidade do reduzido de talentoso elenco. Estão em cena especialmente o dramaturgo Auguste (Pascal Greggory), em sua bela casa de campo, à espera da ex-mulher, Harriet (Julie Depardieu) e do produtor Stéphane (Louis-Do de Lencquesaing). São todos velhos conhecidos. O elemento-surpresa é o outro ator da peça que se prepara, Théo (Louis Garrel), que o velho lobo Auguste num instante compreende que é o novo amante de sua ex. Constatação que dá início a torneios de ciúme e manipulação que renderão para todo o filme.
Uma personagem aparentemente à margem de tudo isso, porque nova no cenário, é a jovem Fanny (Agathe Bonitzer). Ela foi contratada por Auguste para dar conta de sua correspondência. Mas, mesmo que não saia de sua sala por quase todo o filme, é insistentemente visitada por todos os demais, com propósitos diversos, e terminará incluída neste quarteto amoroso. Stéphane, o produtor, é apenas o observador destes pares que se degladiam das formas mais diversas.
O grande duelo ocorre entre Auguste e Harriet. Há um fogo ainda ardendo entre estes dois e que o casamento iminente dela com Théo não parece ter ainda extinguido. Ou assim entende Auguste, que lança mão de Fanny, que lhe parece indiferente, para causar ciúme em Harriet. Logo se verá que a aparência gélida de Fanny não é mais do que ilusão.
Essas idas e vindas sentimentais, que atravancam a peça, ainda inacabada, que escreve Auguste para Harriet e Théo – ou será também para Fanny? – se desdobram em inúmeras situações em torno dessa casa campestre, que serve como teatro dessas emoções às vezes destemperadas mas, bem à francesa, devidamente domadas pelo discurso. É pela palavra, portanto, que estas pessoas se manipulam, ofendem, seduzem.
Há um quê de Ingmar Bergman (Depois do Ensaio), outro tanto de Jacques Rivette - especialmente de duas obras deste último diretor, Quem sabe? e 36 vues Du Pic Saint-Loup, em que este entrelaçamento entre teatro e vida resultou mais satisfatório e fluente do que neste trabalho de Doillon. Em todo caso, vale a visita.