O título do primeiro longa do curta-metragista Caetano Gotardo, O que se move, é uma afirmação. Mas caberia aí também um ponto de interrogação ao final, diante da perplexidade dos personagens, obrigados a seguir em frente com suas vidas mesmo após uma tragédia.
O longa é sobre três histórias – de quatro mães – envolvendo perdas e um reencontro. Histórias saídas dos cadernos de cotidiano dos jornais ganham aqui uma leitura poética e melancólica, que insere a música como forma de expressão quando o diálogo não consegue se materializar. É uma opção ousada do diretor colocar personagens cantando num filme cujo clima passa longe dos musicais convencionais. Justamente por conta da forma delicada com que as histórias são conduzidas, as personagens construídas e seus dramas, delineados, é que o estranhamento da canção não se esvazia em si mesmo e faz o filme ecoar ainda com mais força.
Cada uma das histórias poderia ser assunto para um único filme. Mas a conjugação das três narrativas mapeia um pouco mais do mal-estar do mundo contemporâneo e da fragilidade com que vidas podem ser destruídas em alguns segundos e sem qualquer aviso prévio. Contar mais sobre a trama é tirar um pouco do prazer da descoberta e do seu impacto. Mas vale dizer que Gotardo – que assina o roteiro também – coloca uma lupa sobre situações delicadas que renderiam blocos e mais blocos num programa televisivo sensacionalista.
O diferencial do filme em relação a um programa de televisão qualquer está exatamente em que o diretor sabe – ao contrário de um certo tipo de “jornalismo” – que as pequenas tragédias são protagonizadas por seres humanos com desejos, medos, alegrias e tristezas e, especialmente, passíveis de erros. Jogar uma luz sobre um dilema, uma situação-limite, sem cair em qualquer psicologismo barato, não é tarefa simples. E Gotardo ilumina cantos obscuros da existência ao acompanhar de perto a dor da perda de alguém muito próximo, muito querido.
Para conseguir uma organicidade num filme assim, Gotardo depende fundamentalmente de seu elenco que, aqui, está todo afinado no mesmo tom. O destaque, é claro, fica para as protagonistas Cida Moreira, Andrea Marquee e Fernanda Vianna. Apenas a última, atriz do grupo teatral mineiro Galpão, foi premiada em Gramado. Mas seria mais justo que o troféu fosse dividido com as outras duas, porque não há uma protagonista única no filme.
É exatamente em meio à dor que une todas essas mulheres que é preciso observar um luto – seria esta a função do canto no filme? Mais do que seguir em frente, o desafio que se apresenta é como seguir em frente? Mas a vida é o que se move, é o que obriga a manter o fluxo contínuo. Nesse sentido, tudo se movimenta o tempo todo, independente da vontade das pessoas. Para essas mulheres do filme, a beleza da vida é saber determinar sua própria velocidade, ou ter até a coragem de ficar parada.