No verão de 1915, o velho e consagrado pintor Pierre-Auguste Renoir, viúvo recente, não desiste de pintar, apesar dos problemas causados por uma séria artrite. Em sua bela casa à beira-mar, na Riviera Francesa, recebe uma nova musa, a jovem e impetuosa Andrée, que desperta paixões em seus filhos, o jovem Jean, que voltou ferido da guerra, e o caçula, o adolescente Coco.
- Por Neusa Barbosa
- 08/07/2013
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Mais do que uma cinebiografia propriamente dita, Renoir, de Gilles Bourdos, recria a atmosfera de luzes, cores, sombras, natureza e afetividade que cercava o pintor Pierre-Auguste Renoir (Michel Bouquet), traçando o perfil não só de um homem, mas do patriarca de todo um clã de artistas, destacando especialmente um de seus filhos, o futuro cineasta Jean Renoir (Vincent Rottiers).
O momento da história é o verão de 1915, quando o septuagenário Renoir, apesar de sua idade avançada e consagração, não desiste de pintar. Seus motivos de inspiração, como sempre, brotam da pujante natureza ao redor de sua casa paradisíaca, cercada de bosques e flores, diante do mar azul da Riviera Francesa, e também das formas femininas. O lugar é habitado por várias mulheres, suas criadas, algumas também suas ex-musas e ex-amantes.
Para estas mulheres, Renoir é o centro de tudo. Entretanto, não lhe faltam aflições: sofre de grave artrite reumatoide, que lhe deforma as mãos e torna o ato de pintar um verdadeiro suplício; sua mulher acaba de morrer; e o filho do meio, Jean (Vincent Rottiers), contra a sua vontade, alistou-se para lutar na I Guerra.
Junta-se ao núcleo feminino a jovem Andrée (Christa Theret), tentada pela chance de tornar-se nova musa para o pintor. Com traços suaves e temperamento rebelde, ela atrai a atenção dele, que a contrata. Diariamente, ela posa por longas horas, às vezes nua, despertando a curiosidade de outro integrante do clã, o adolescente Coco (Thomas Doret), o caçula rebelde.
A volta de Jean, ferido em combate, para convalescença, aumenta a temperatura emocional. Nesta altura, ainda é um jovem incerto sobre sua vocação, à sombra de um pai famoso, figura que verdadeiramente pesa sobre os filhos, ainda que sem fazer realmente empenho nisto. Espalhando uma aura quase sagrada em torno de si, Renoir é uma espécie de entidade, não um homem de quem os filhos consigam realmente se aproximar.
A nova musa, Andrée, catalisa de vários modos este relacionamento familiar, despertando o desejo também de Jean. Nada disso escapa ao pai, uma figura mais tolerante e plural do que suspeitam seus herdeiros, no retrato traçado pelo filme.
É bastante apropriada a escolha do diretor Bourdos, também corroteirista – com Jérôme Tonnerre – de criar várias cenas cotidianas, calmas, como aquela em que se vê Renoir sendo levado a passeio, numa cadeira carregada pelas criadas, apenas para que desfrute de uma tarde de sol à beira de um rio. Mulheres sorridentes, com saias arregaçadas à altura dos joelhos, pisando na água, carregando guarda-sois e cestas de piquenique, compõem um cenário que lembra muitos dos quadros do celebrado pintor impressionista.
Nestas sequências, aparentemente sem maior significação no desenrolar da história, é que se traduz melhor o espírito do artista, o ambiente onde vivia, suas paixões, fontes de inspiração e a maneira de ver a vida, o seu apego ao momento fugaz que passa, quatro anos antes de sua morte. Em algum momento, tudo isso vai se enraizar mais claramente no espírito inquieto de Jean, que formaria um casal com Andrée no futuro, ele como diretor, ela como atriz de alguns de seus primeiros filmes, sob o pseudônimo de Catherine Hessling. Outra relação fugaz, ao contrário do talento do cineasta, futuro autor de obras-primas como A Grande Ilusão (1937), A Marselhesa (1938) e A Regra do Jogo (1939).