No final da ditadura militar, sob o signo da esperança da Anistia, em 1979, nascia o Lira Paulistana. No apertado porão localizado na rua Teodoro Sampaio, em Pinheiros, revelaram-se inúmeros talentos da cena musical, como Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção, grupos como o Rumo, Paranga, Ultraje a Rigor e Titãs. O signo da liberdade e diversidade comandaram o astral, até 1986.
- Por Neusa Barbosa
- 13/11/2013
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Se teve a performance fugaz de um cometa, durando apenas 7 anos, o teatro Lira Paulistana deixou um rastro brilhante e indelével na cultura não só de São Paulo, mas do País, que dura até hoje, 27 anos depois de seu fechamento, em 1986.
Cravado na rua Teodoro Sampaio, 1091, num porão com 150 lugares oficiais em Pinheiros, em Pinheiros, o Lira nasceu em outubro de 1979 e se espalhou, embalado pela euforia do final da ditadura, da anistia, da luta pelas Diretas, reunindo, sob um guarda-chuva generoso com a mais absoluta diversidade, novos músicos de todas as tendências, de Itamar Assunção e Arrigo Barnabé a grupos como Rumo, Paranga, Premê, Ultraje a Rigor, Inocentes e Titãs.
Incansáveis, seus idealizadores criaram uma gravadora, uma loja de discos, uma editora e um jornal cultural (que em sua ousadia circulou com 32 páginas e 30.000 exemplares). E, quando o espaço apertado onde só com loucura e boa vontade cabiam 300 pessoas de cada vez, não se acanhou de incorporar como espaço de shows a praça Benedito Calixto, que ficava bem ao lado. Descontente ainda, tomou uma parede na rua anexa, transformando-a num mural a ceu aberto, renovado a cada dois meses, quando ainda não se falava em street art.
Vem em boa hora para lembrar tudo isso e muito mais o documentário Lira Paulistana e a Vanguarda Paulista, de Riba de Castro – um dos pais do Lira, espaço que teve a sorte de pegar o início da era do vídeo, o que permitiu guardar algumas das impagáveis imagens de arquivo, registradas, por exemplo, do Olhar Eletrônico de Fernando Meirelles e Marcelo Tas.
Naquele lugar “arquitetonicamente desagradável”, como lembra Meirelles, barulhento, com ponto de ônibus na porta, tudo era possível. Não havia curadoria ou seleção. Quem aparecesse, se apresentava. Tudo podia e era literalmente abraçado pela plateia, devido ao aperto. “Dava um frio na barriga”, lembra a cantora Vânia Bastos. “O conceito do teatro grego”, arremata o músico Nelson Ayres.
Por isso mesmo, ninguém conseguia colar um rótulo no que acontecia ali. Pós-tropicalismo? Vanguarda? Independente? Alternativo? Tudo era rejeitado, por exemplo, por uma das estrelas do espaço, Arrigo Barnabé. Afinal, ali cada um fazia sua estética e o público devorava tudo, no mais puro espírito antropofágico de Oswald de Andrade. Vale ver, rever, até porque a maioria de quem começou lá no Lira, vivo ou morto, continua repercutindo por aí. O espírito do Lira continua dando cria.