Dez pessoas e as inusitadas situações em que elas se envolvem em um reveillon conduzem A Noite da Virada (2014), uma comédia de erros de Fabio Mendonça que apresenta as loucuras de uma festa de Ano Novo, mostrando aqueles momentos mais marcantes, que sempre ocorrem nos bastidores. No caso, nos cômodos mais insólitos da casa dos anfitriões, os banheiros.
Cerca de nove anos depois de escrever o seu primeiro roteiro de longa-metragem para Noel – O Poeta da Vila (2006) – ele já tinha mergulhado no universo do compositor no curta Com Que Roupa? (1996) –, Pedro Vicente tem a sua peça O Banheiro, de 1995, adaptada para o cinema. O texto teatral do também artista plástico traçava um curioso panorama da década de 90 que foi transportado para a tela por Claudia Jouvin e Nina Crintz, quase 15 anos depois. Na história criada por Vicente, que é irmão do ator Fernando Alves Pinto e sobrinho do cartunista Ziraldo, sempre aparece algum tipo comum ou exótico nos banheiros e lavabos em que se passa a trama.
Oito meses atrás começavam as filmagens do longa, que foram rodadas em estúdio, em sua maioria. Neste ponto, se destaca a direção de arte de Cássio Amarante, que recriou em cenários articulados o que a produção encontrou nas casas escolhidas para os protagonistas, especialmente os cômodos em que se concentra a maior parte do filme.
Sete personagens principais se envolvem em situações de “vida e morte”, seja no sentido literal ou figurado, na festa de Ano Novo organizada por Ana (Júlia Rabello) e Duca (Paulo Tiefenthaler), para cerca de 300 convidados em sua residência. O problema é que o relaxado marido diz, antes da comemoração, que deseja dar um tempo e tirar umas férias da relação e, logo, a esposa percebe a ligação disso com o casal de vizinhos, formado pelo neurótico Mário (Marcos Palmeira) e a bela Rosa (Luana Piovani). Cruzando entre um banheiro e outro, ainda há Sofia (Martha Nowill), a irmã de Ana desesperada para desencalhar, os amigos e namorados em crise sexual, Alê (Luana Martau) e Rica (João Vicente de Castro), além do traficante Paulão (Taumaturgo Ferreira).
Seis episódios tinha a série Destino: São Paulo (2012), da qual Fabio Mendonça é criador e diretor de metade deles – a produção da HBO ganhou uma segunda temporada, intitulada Destino: Rio de Janeiro (2013). Responsável por vários filmes publicitários e pelos curtas Curupira (2004), que codirigiu com Guilherme Ramalho, e Amsterdã (2007), o jovem cineasta está à frente de seu primeiro longa. Mesmo sendo um début, Mendonça já imprime certa personalidade, como na preferência que dá, junto com o diretor de fotografia Marcelo Trotta, aos primeiros planos e planos médios.
Cinco banheiros diferentes servem de cenários principais à história, cujo roteiro ainda está muito arraigado à estrutura da peça. Fabio até consegue criar certa dinâmica na trama, mas essa restrição e o ritmo diferenciado das piadas em comparação com as comédias nacionais mais populares atualmente podem intrigar aquele espectador que vai ao cinema esperando rir sem parar.
Entre quatro paredes ocorre a imensa maioria das ações deste longa que não busca o riso em uma sucessão de gags, mas das situações colocadas no script. Três personagens secundários acabam servindo, no entanto, unicamente para fins cômicos e garantem alguns dos melhores momentos do filme. Se o conteúdo original da peça era bem mais denso que sua adaptação cinematográfica, com linguagem ainda mais explícita e um viés homossexual, por exemplo, o filme vai mais longe. Há uma clara influência das comédias do Judd Apatow e de outras que se seguiram, em busca de um humor mais despudorado.
Dois maconheiros que se detêm em vários debates existenciais no lavabo são o maior exemplo disso. Aliás, Juliano Enrico e Daniel Furlan, dois comediantes conhecidos por sua passagem no final da extinta MTV Brasil e por seus vídeos em canais do YouTube, que atuam como André e Matias, são algumas das celebridades da internet que povoam o filme, desde o “Porta dos Fundos” João Vicente de Castro até aparições de segundos de alguns blogueiros. Tudo isso, parte de uma campanha de marketing da produção, que inclui a “Webserie online mais chapada da internet”, conduzida pela dupla brisada há mais de um mês.
Um dia de gravação foi preciso para filmar toda a sequência do bandido Fumaça (Rodrigo Sant’anna), outro personagem adicional, preso no banheiro químico desmontável concebido pela direção de arte. O traficante não existia na peça e foi criado especialmente para o filme. E, embora a sua presença seja uma ameaça no início e a dupla André e Matias tenha papel importante no desenrolar do clímax, todos eles parecem “avulsos” em muitos momentos, servindo mais para arrancar risadas da plateia do que à trama.
Dizer que zero são, praticamente, as chances de a produção se tornar uma das campeãs de bilheteria, como brincou João Vicente em coletiva para a imprensa, pode ser taxativo demais. Mas é que a linguagem envolvendo sexo e drogas pode diminuir o boca-a-boca de quem procura um filme família para estas férias. O que conta a favor é que o elenco está afinado e, apesar da grande quantidade de personagens envolvidos, o espectador consegue se envolver com a maioria deles.
“Feliz Ano Novo!”, todos os convidados gritam comemorando, enquanto a vida de cada uma das pessoas naquele banheiro é transformada nesta noite da virada, em vários sentidos, tal como as famosas resoluções de fim de ano que o pessoal adora fazer. A produção e elenco de A Noite da Virada também fez uma, que depende totalmente da resposta do público: realizar uma sequência para 2015 ou nos próximos anos novos.