Dupla de cantoras, compositoras e instrumentistas que se tornaram pioneiras em vários sentidos nos anos 1970, Luhli e Lucina são as personagens retratadas com generosidade e franqueza no documentário Yorimatã, estreia em longas do diretor Rafael Saar.
Filhas da Bossa Nova, as duas se apaixonaram pela música ouvindo João Gilberto. Mas, ao longo de uma trajetória muito ampla e particular, foram se impregnando de inúmeras outras influências à disposição em sua época – movimento hippie, contracultura, feminismo, umbanda.
Como resultado, formaram uma dupla que compôs cerca de 800 composições – num tempo em que a assinatura feminina em letra e música era prática ainda rara -, confeccionando e tocando tambores em seus shows, coisa que também não era habitual em se tratando de uma dupla feminina. Também foram algumas das primeiras artistas a enveredar pelo atalho do disco independente (em 1979, álbum Luli e Lucina).
Na vida pessoal, elas também não destoavam do tom geral de liberdade e transgressão. Moraram juntas num sítio em Filgueiras, Mangaratiba (RJ), dividindo o mesmo marido, o cineasta e fotógrafo Luis Fernando Borges da Fonseca – a quem se deve boa parte das fantásticas imagens em 8mm que retratam o cotidiano junto à natureza desta família anticonvencional, que criava seus filhos em comum, embalados pelo sentimento de que era normal ter duas mães e apenas um pai.
Enriquecido por essas imagens intimistas e também de shows, alguns antológicos, além de depoimentos de amigos e fãs – Ney Matogrosso, Gilberto Gil, Joyce, Zélia Duncan e outros -, o filme compõe um retrato ao mesmo tempo emotivo e matizado de uma época em que, apesar da ditadura militar, houve quem, como elas, ousasse desafiar os padrões, o machismo, o moralismo e o domínio das gravadoras, sem medo de arriscar tudo, perder algumas batalhas e recomeçar.
O melhor de tudo é que o documentário nunca descuida da música que jorra das cenas, da melhor qualidade.