27/03/2025
Drama

Dois Rémi, Dois

Aos 30 anos, Rémi leva uma vida sem muitas perspectivas, até que encontra seu duplo - um sujeito arrogante e invasivo, que ocupa seu lugar em seu trabalho e sua vida pessoal.

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Enxuto (1h06min), Dois, Rémi, Dois, primeiro filme do russo-francês Pierre Léon a ser lançado comercialmente no Brasil, é um emaranhado de parentescos.
 
O primeiro e mais óbvio está na presença no elenco de Luna Picoli-Truffaut, neta de François Truffaut. Um segundo está na semelhança espiritual do personagem Rémi (Pascal Cervo) com Antoine Doinel, o personagem-fetiche de tantos filmes de Truffaut. Vão pelo caminho do roteiro, assinado por Léon e Renaud Legrand, uma assumida inspiração em O Duplo, de Fiodor Dostoievski. Pode-se pensar de leve no sublime A Dupla Vida de Véronique (1991), de Krysztof Kieslowski. E, em algumas situações familiares, também se espia ao longe Jacques Tati.
 
Nada disso quer dizer que o filme não tenha sua curva, sua temperatura, emergindo no meio de uma aparente modéstia. Tati, por exemplo, vem à mente no modo como a história evolui, em planos que remetem a um quase cinema mudo, em que a lógica desafia o aparente realismo.
 
O compromisso com o realismo, na verdade, é rompido pela situação-chave. Rémi, de 30 anos, mora com o irmão (Serge Bozon) num apartamento. Tem um emprego rotineiro numa empresa que comercializa produtos para gatos, a Chat Va Bien. Mantém um flerte com a filha do patrão, Delphine (Luna Picoli-Truffaut). Nenhuma situação parece satisfatória, nem é levada a extremos. Rémi é um ser perdido na rotina, mas nem mesmo sua amargura é de fato profunda.
 
Este tipo de tédio é rompido pela aparição repentina de um duplo de Rémi, idêntico em tudo na aparência, mas não na atitude ou psicologia. O segundo Rémi é mais ousado, extrovertido e também desagradável. De maneira decidida, ocupa os espaços da vida do Rémi original, em sua casa, no trabalho – onde ninguém parece estranhar a extraordinária semelhança entre os dois e o mesmo nome.
 
Delphine é a única que nota a oposição entre os dois e parece preferir o Rémi mais tímido. Este, no entanto, parece intimidado pelo invasor e tem reações estranhas. Um dia, na casa da mãe (Jackie Raynal) – onde não deixa seu duplo entrar -, Rémi desaba e chora.
 
Fiel à sua vocação cinematográfica, Dois, Rémi, Dois acredita nas imagens e não investe em explicações. É uma experiência sensorial, imaginativa, a que o público é chamado a entrar e não promete o céu por isso. Há uma simplicidade implícita na trajetória deste jovem homem comum, assoberbado pela falta de sentido da vida cotidiana, como tantos outros. Pode-se enxergar aí um viés filosófico, talvez, mas que o filme não ambiciona a resolver, somente a constatar e explorar para sua própria existência.
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