19/03/2025
Drama

A academia das musas

Raffaele é um professor universitário, e em suas aulas discute a produção artística e o papel das musas. Suas alunas e sua mulher, porém, questionam seu discurso, que parece não condizer com suas ações.

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Em sua ficção anterior, Na Cidade de Sylvia (2007), o espanhol José Luis Guerín pautou-se pelo silêncio das palavras, quase não existindo diálogos em seu filme, conduzido pelos sons ambientes de um jovem que vaga em busca de uma bela jovem. O novo trabalho do diretor,  A Academia das Musas, é exatamente o contrário: é uma narrativa inteiramente construída pelo poder da arte da palavra. São exposições didáticas – afinal, estamos numa universidade – e diálogos de tons intimistas que guiam seus poucos mais de 90 minutos. E é brilhante.
 
O filme começa com o professor Raffaele Pinto e sua aula sobre poesia, amor e inspiração. Sua exposição, porém, parece estar num plano etéreo, sobre como as ideias brotam quase que do nada, ou da genialidade dos autores. É uma de suas alunas quem o traz para a realidade ao buscar a questão social que pauta a criação artística. Esse é só o começo do embate entre modos de ver o mundo que permeia todo o filme, também roteirizado pelo diretor.
 
Um diálogo entre o professor e sua mulher, Rosa Delor Muns, já entrega toda a discussão principal: o amor intelectual versus um “amor profano”. O primeiro pode durar a vida inteira, é mais honesto, menos suscetível a momentos de ira ou paixão desenfreada – enfim, é mais profundo. Esse desprendimento emocional dela, no entanto, não deve durar muito.
 
Na sala de aula, Pinto enfrenta também suas alunas inteligentes e questionadoras, que parecem detectar um quê de pernóstico em suas aulas – e talvez nem estejam erradas. Quando o professor fala da relação de poetas com suas musas, uma delas o acusa de misoginia, ao que ele responde: “Somos todos prisioneiros da linguagem”. E é nessa esfera que precisamos nos resolver, assim como o filme.
 
Guerín, que tem longa experiência como documentarista, transita entre a ficção e o documentário, explorando a volatilidade da linha que os separa. Aqui, inexistente. Pinto é professor – o diretor foi aluno dele – e faz no filme as mesmas exposições e discussões das salas de aula. Os atores também mantêm seus nomes, mas não seus personagens, que não são eles mesmos.
 
Quando A Academia das Musas sai do tom documental de seu começo, encontramos Pinto no carro com uma aluna, Mireia Iniesta, talvez a mais rebelde de todas, cujo discurso talvez revele um ressentimento de sua relação dúbia com o professor. Ele seduz as alunas com sua retórica. São suas musas – faz versos para elas. Além de Mireia e Rosa, elas são a italiana Emanuela Forgetta, cujas opiniões coincidem com as do professor, e Carolina Llacher, jovem catalã que tenta a mão na poesia, e cujo verso-livre horroriza Pinto, o que a deprime.
 
Mas Mireia, por sua vez, preferia não disputar a atenção dele com as colegas – o que, de certa forma, contraria tudo o que ela diz. Enfim, existem dissonâncias entre discursos e narrativas pessoais que o filme expõem aos poucos, transformando-se quase numa comédia romântica, diferente do padrão, claro.
 
Guerín consegue transformar em uma coisa vibrante algo que poderia facilmente ser tedioso: discussões filosófico-intelectuais. No mundo real, do lado de fora da tela, elas são boas quando se pode fazer parte delas, debater, dizer o que se pensa. Mas, misteriosamente, o diretor encontra uma forma de trazer tudo à tona de forma sedutora.
 
A contraposição entre o ambiente público da sala de aula com a vida íntima dos personagens é marcada pelo posicionamento da câmera. Em todas as conversas privadas, a câmera está do lado de fora de um ambiente, e um vidro – da casa do professor, do carro, de um café – serve como mediador, impedindo que os personagens sejam vistos diretamente, colocando reflexos e sombras que implicam na duplicidade que marca toda a narrativa.
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