As histórias de várias pessoas que se cruzam pelas ruas da cidade de São Paulo fornecem o fio condutor de A Voz do Silêncio, drama de André Ristum que saiu com dois prêmios do Festival de Gramado 2018 – melhor direção e melhor montagem (Gustavo Giani).
Raquel (Stephanie de Jongh) trabalha numa boate decadente no centro da cidade. Na verdade, ela quer ser cantora, mas os frequentadores locais se interessam bem mais pelo seu desempenho no pole dancing do que por sua voz. Sua mãe, Maria Claudia (Marieta Severo), vive fechada no apartamento, assistindo TV dia e noite. A mãe só tem elogios para Alex (Arlindo Lopes), filho distante que lhe envia cartões postais de todo o mundo – mas, na verdade, ele está bem perto, trabalhando num serviço de telemarketing. Há um jogo de verdades e mentiras nesta família, que projeta uma situação social precária, assim como outros personagens.
Este é o caso do porteiro (de dia), garçom de temakeria (de noite) Odilon (Cláudio Jaborandy), típico trabalhador paulistano, correndo contra o próprio tempo e o cansaço, dependurado em meios de transporte lotados, num trânsito sempre congestionado. Ele se equilibra entre os próprios anseios de uma vida melhor, tentando cursar uma faculdade de fim de semana e encarando os abusos de um patrão, Carlo (Nicola Siri), ele mesmo destroçado por suas dívidas, pendências com a fiscalização sanitária e o vício por drogas.
Um personagem que, de algum modo, trafega nestes dois núcleos é o oficial de justiça Luís Gustavo (Marat Descartes). Decididamente corrupto e mulherengo, ele é confrontado por um drama envolvendo sua mulher, a bailarina Graziela (Tassia Cabañas).
Outro núcleo inclui dois argentinos, o pai Nestor (Ricardo Merkin) e a filha Julieta (Marina Glezer). Distanciada do pai há tempos, Julieta luta duramente para manter o emprego como corretora de imóveis, imprescindível para manter seu filho (Enzo Barone). O pai, radialista que apresenta um programa de música clássica, descobre um grave problema de saúde ao consultar um médico (Milhem Cortaz).
Não há segredo nenhum que os grandes motores dramáticos são a solidão e a precariedade emocional e econômica destas vidas misturadas na grande metrópole. O desenvolvimento deste enredo procura não deixar ênfase excessiva com nenhum dos atores, mas é evidente que Marieta Severo se eleva algumas notas acima com sua interpretação de uma mulher madura no limite da irrealidade. Grande atriz que é, Marieta extrai nuances sublimes de uma complexa combinação de fragilidade e crueza face à filha Raquel – uma densa personagem, igualmente composta com autenticidade por Stephanie de Jongh.
Como todo filme-coral, há altos e baixos de intensidade, nem todas as pequenas histórias atingem o máximo de seu potencial. Mas há dignidade em suas intenções, criando uma obra que remete a Não por Acaso, de Philippe Barcinski, mas aqui com uma nota mais sutil.